A Inquisitio Haereticae Pravitatis Sanctum Officium foi o nome, em latim, da Santa Inquisição criada pela Igreja para combater o sincretismo religioso dos chamados infiéis. Foi instituída numa época em que a igreja exercia grande poder sobre os reinos europeus.
Os objetivos iniciais eram estritamente religiosos, mas se tornou um instrumento político e econômico usado tanto pela igreja como por diversos soberanos que seguiam as orientações do Santo Ofício. Ela permitia que pessoas e até mesmo populações inteiras fossem acusadas de práticas indevidas e executadas de forma arbitrária, sem direito a defesa, em benefício de uma minoria de poderosos.
Em nome de Deus, com interpretações particulares de alguns textos considerados sagrados, a Inquisição levou pessoas a matar cruelmente aqueles que não seguissem o mesmo ponto de vista. Na verdade era uma forma justificada de tirar a vida daqueles que podriam se tornar uma ameaça futura para a Igreja.
Muito antes da Inquisição existir o Cristianismo pregado pela Igreja já era imposto através da força. Evidentemente, esta postura, nada tem a ver com o humilde pregador do amor e da paz chamado Jesus Cristo. Uma delas foi a sistemática perseguição de judeus. Em 1215, o Quarto Concílio de Latrão, estabeleceu que todos os judeus em terras católicas deveriam usar emblemas ou roupas que os diferenciassem dos outros. Foram confinados em guetos, tornado-os em uma classe odiosa em boa parte da Europa. Também as Cruzadas, que duraram do século 11 ao século 14, e tiveram a particupação de grandes reis como Ricardo I e Luís IX, além do grande chefe e guia muçulmano Saladino, tinham nítidos objetivos econômicos e políticos. Não passaram de um conflito em que os europeus representantes da Igreja Católica saqueavam as mesquitas e matavam os seguidores de Alá sob a alegação de impor a religião católica. Saladino tornou-se governador do Egito em 1169, o mais importante soberano do mundo muçulmano, e então planejou a união dos estados islâmicos para uma contraofensiva aos cristãos.
Já no final do século 4, em Trier, na Alemanha, diversos bispos executaram Prisciliano (Priscillian) e seus seguidores por questionarem a Trindade e a Ressurreição. Ele foi a primeira pessoa a ser executada por heresia contra o Cristianismo pregado pela Igreja. Outro caso interessante se deu em 415 quando a cientista Hypatia, chefe da Biblioteca de Alexandria, foi espancada até a morte junto com outros seguidores de São Cirilo.
Na época da Inquisição a maioria da população européia era católica e se submetia à Igreja com perigoso fanatismo religioso e, portanto, era facilmente manipulada.
O termo "hereia" foi usado por cristãos para designar idéias contrárias às da Igreja e consideradas falsas doutrinas. Matar hereges significava purificar o Cristianismo. A partir de então uma verdadeira guerra santa foi realizada contra os seguidores de outras crenças ou religiões. Em nome de Deus, qualquer um poderia ser acusado de heresia e ser mandado vivo para a fogueira.
Em nossos dias essas histórias podem parecer extremas, mas na época eram responsáveis por diversas acusações que resultaram na morte de muitas pessoas.
Em 1022, o rei Roberto, de Orleans, matou 13 hereges na fogueira. Em 1051, cristãos da comunidade alemã Goslar foram condenados à forca por se recusarem a matar galinhas. Pela postura da própria Igreja, os movimentos heréticos se expandiram pelo continente europeu. Os papas e o clero em geral se preocupavam com riquezas materiais e acúmulo de poder. Foi esta postura que provocou o descontentamento de muitos cristãos e propiciou o surgimento de diversas seitas, consideradas heréticas, que buscavam pela verdadeira doutrina de Jesus Cristo. Nessa ocasião os cátaros foram dizimados por defenderem conceitos diferentes dos dogmas da Igreja. Os waldensanos, seguidores leigos de Peter Waldo de Lyon, também foram alvo de acusações de heresia por mais de cinco séculos. Eles realizavam sermões nas ruas e, segundo as normas da Igreja, apenas os sacerdotes tinham esse direito. Finalmente, em 1487, o papa Inocêncio VIII declarou uma cruzada contra os waldensianos em Savoia, na França, resolvendo definitivamente o "problema".
A mais conhecida heresia da história da Igreja é a caça aos Cavaleiros Templários. Eram guerreiros de uma ordem que teve origem durante as Cruzadas. Foram acusados de cuspir em crucifixos e adorar o demônio. Torturados barbaramente, alguns confessaram e outros 70 foram queimados vivos.
No início do século 13, os bispos ganharam o poder de identificar, julgar e punir os que fossem considerados hereges, mas não deu certo. Então a Igreja Romana começou a mandar inquisidores papais itinerantes para formar e conduzir os tribunais.
Qualquer pessoa podia ser acusada de heresia, ser aprisionada sem poder ver a família e sem saber o nome do acusador. Se não confessasse seus supostos delitos era torturada impiedosamente. Tudo era feito com o consentimento do papa Inocêncio IV, que autorizou a tortura em 1252.
Além de serem obrigados a se confessar hereges, as vítimas da Inquisição eram forçadas a denunciar familiares e amigos, para que eles também fossem submetidos aos processos de tortura. Aqueles que confessavam rapidamente recebiam penalidades mais leves. Entretanto, alguns réus recebiam penas mais graves, tornando-se prisioneiros perpétuos e tendo todos os seus bens confiscados pela Igreja. O patrimônio de cada herege podia determinar qual pena seria mais interessante para os objetivos da Igreja.
Em 1231, um estatuto papal determinou que a fogueira fosse a punição-padrão para os hereges. Mas, para disfarçar e não sujar tanto o nome da Igreja, as execuções deveriam ser realizadas por civis.
Por ocasião da peste bubônica, que tomou conta da Europa em 1348, espalhou-se a notícia de que os responsáveis pela doença eram os judeus que estavam envenenando os poços de água para contaminar toda a população. Esse boato resultou no massacre de judeus em mais de 300 cidades. Em 1349, em Mainz - Alemanha, cerca de seis mil judeus foram mortos de uma só vez. Em algumas regiões da Alemanha os judeus foram confinados em suas casas até morrerem de fome. Durante os três anos da Peste Negra, cerca de 350 grandes massacres foram realizados contra o povo judeu.
As pessoas que discordavam de alguns aspectos do Cristianismo passaram a ser consideradas bruxas. Na caça às bruxas a Santa Inquisição levou à morte, possivelmente, dois milhões de vítimas. Muitas mulheres e alguns homens foram torturados e morreram sob acusação de que eles voavam pelo céu e mantinham relações sexuais com Satã. As mulheres passaram a ser tratadas como seres traiçoeiros e desprezíveis e milhares foram condenadas à morte. Foi a partir de relatos desse tipo que a imagem feminina passou a ser associada ao demônio.
As pessoas consideradas bruxas eram conhecedoras de sabedorias antigas e, portanto, tornavam-se uma ameaça para o soberania da Igreja. Na maioria das vezes eram condenadas á morte. O papa Gregório IX já havia autorizado oficialmente a morte de bruxas no século 12, mas a "moda" só pegou mesmo no século 15. Em 1484, o papa Inocêncio VIII emitiu um boletim que enfatizava a existência de bruxas e dizia que os que pensassem ao contrário poderiam ser condenados por heresia. Como conseqüência houve grande aumento de condenações. Cumanos, um dos inquisidores, mandou de uma só vez 41 mulheres para a fogueira, acusadas de bruxaria.
Os civis encarregados de levar as pessoas à fogueira se tornaram populares e, ao mesmo tempo temidos por toda a comunidade européia. Isto não estava nos planos da Igreja. O carrasco Robert Le Bourge ficou famoso por matar 183 pessoas na fogueira em uma só semana. Outro carrasco de destaque foi Bernardo Gui que condenou e confiscou todos os bens de 970 pessoas. Dessas, um terço foi conduzida para a prisão e 42 para a fogueira.
O medo das atrocidades fazia com que muitos acusados se convertessem ao Cristianismo. Como resultado, milhares de judeus e muçulmanos da Espanha se converteram. Mas logo foram acusados de não serem sinceros e de praticar suas religiões originais na clandestinidade. Os "falsos cristãos" eram um novo alvo da Igreja e sua caça perdurou por longo tempo com a colaboração do rei Ferdinando e da rainha Isabel da Espanha. A partir de 1498, eles foram autorizados pelo papa a reviverem a Inquisição contra judeus e muçulmanos acusados de praticas religiosas secretas. Nessa etapa, conhecida como Inquisição Espanhola, o frei dominicano Tomás de Torquemada foi nomeado inquisidor-geral, matando mais de duas mil pessoas na fogueira e tornando-se símbolo de crueldade cristã.
Em 1542, o papa Paulo III resolveu acabar com a influência protestante na Itália. Surgiu então a Inquisição Romana espalhando o terror e matando hereges por qualquer tipo de suspeita ou acusação. Foi nessa ocasião que figuras famosas como o filósofo e cientista Giordano Bruno morreram sob acusações heréticas. A partir de então a Inquisição se espalhou por diversas partes do mundo.
A caça às bruxas se espalhou por toda a Europa. Alemanha, Hungria, Espanha, Suíça, Itália, França, Suécia, Inglaterra, Escócia e até mesmo a colônia norte-americana de Massachusetts se empenharam em sua perseguição. Nas colônias americanas, em nome de Deus, muitos nativos foram dizimados. Qualquer um poderia ser considerado suspeito, aprisionado e torturado até confessar seus supostos "crimes" e denunciar seus "comparsas de bruxaria".
Segundo os pesquisadores, a perseguição da Igreja Católica aos muçulmanos, judeus e hereges era uma luta em nome do Deus cristão, mas, também em nome da fé, muitas atrocidades foram cometidas por puro sadismo sexual e mundano. As mulheres recebiam tratamento diferenciado. Para serem torturadas, eram desnudas e tinham todos os pelos do corpo raspados. Isso evidencia que a verdadeira intenção era, também, satisfazer os instintos e as sádicas fantasias sexuais dos inquisidores. Elas, quase sempre, eram condenadas a esse tipo de tratamento que podia ser assistido publicamente. As mais belas e excêntricas eram as preferidas dos acusadores e suas execuções reuniam multidões, especialmente de poderosos senhores do clero.
As torturas das mulheres eram mais demoradas que as dos homens. Elas tinham as unhas arrancadas enquanto tenazes incandescentes eram aplicadas em seus seios. Diante de tanto sofrimento, a maioria acabava fazendo algum tipo de confissão e sua condenação era de acordo com ela. Na verdade a Igreja sempre demonstrou seu total desprezo as mulheres. Não se sabe ao certo quantas sofreram este tipo de tratamento, pois os registros desapareceram dos arquivos da Igreja, mas não há dúvida de que milhares delas foram condenadas e torturadas até a morte. Segundo consta em poucos registos preservados, 5.000 mulheres foram mortas na província de Alsácia, 900 em Bamberg, 2.000 na Bavária, 311 em Vaud, 167 em Grenoble, 157 em Wurzburg, sendo 133 em um único dia.
A Igreja Católica tem feito um grande esforço no sentido de apagar a memória de um período tão sangrento de sua história. Em 15 de março de 2000, o papa João Paulo II, no documento "Memória e Reconciliação: a Igreja e as Culpas do Passado", listou as incorreções e os pecados cometidos pela Igreja Católica no passado quando, levada pelo seu crescente poder temporal, foi intolerante, opressora e até mesmo corrupta.
Com mais de 90 páginas, o documento se tornou a maior demonstração de expiação pública da história do Catolicismo. Por meio dele o papa, em nome da Igreja, pediu perdão pela série de pecados cometidos desde sua origem.
É oportuno lembrar que muitos cristãos, inclusive do clero, eram radicalmente contra as práticas da Igreja naquela época, mas sentiam-se intimidados e não tinham como reagir diante do enorme poder que estava nas mãos dos seus principais dirigentes.
As igrejas sempre tiveram e, infelizmente, ainda tem grande domínio sobre a mente dos seus membros, que acreditam e acatam qualquer ordem vinda dos líderes religiosos. Hoje, os objetivos continuam sendo dinheiro e poder político, mas felizmente já não se pratica crimes como na época da Santa Inquisição. As superstições só serão vencidas no dia em que prevalecer o conhecimento e a educação, que nunca interessaram às igrejas e tampouco aos políticos que preferem manter a massa humana ignorante e submissa.
A história de cada um é um currículo de vida que não pode ser mudado, mas é também uma experiência que serve para iluminar o futuro.
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Nicéas Romeo Zanchett http://gotasdeculturauniversal.blogspot.com/
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http://selecaodehistoriasinfantis.blogspot.com/
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