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terça-feira, 2 de novembro de 2021

O ESPÍRITO DAS LEIS de Montesquieu - Nicéas Romeo Zanchett

 


Um breve histórico sobre Montesquieu e sua obra
             Desde longa data que Montesquieu traçara o esboço dessa obra, pensara durante vinte anos na sua execução; ou melhor dizendo, toda sua vida fora dedicada na constante meditação desse trabalho. 
             Entretanto, tornara-se dessa forma um estrangeiro dentro do seu próprio país. Percorreu toda a Europa e estudou profundamente  os diferentes povos que a habitavam na quela época. 
            A famosa ilha, que tanto se gloria das suas leis, e que as aproveita tão mal, foi para ele nessa longa viagem o que a ilha de Creta foi outrora para Licurgo, uma escola onde soube instruir-se, sem dela tudo aprovar; emfim ele, - se assim se pode dizer, - interrogou e m julgou as nações e os homens célebres que hoje já nem existem senão nos anais do mundo. E foi dessa forma que subiu todos os degraus, até chegar à posse do mais belo título que um sábio pode merecer, o de Legislador das Nações. 
            Ao longo do seu exaustivo trabalho, abandonou e retomou repetidas vezes sua obra. Muitas vezes, ele próprio confessou, fraquejou a mão que havia de escrevê-la. Por fim, animado pelos seus amigos, reuniu forças  e deu-nos o das Leis.
             Nessa importante obra, o senhor de Montesquieu, sem se preocupar com as discussões metafísicas relativas ao homem, sob um ponto de vista abstrato, sem se restringir a considerar certos povos nalgumas relações ou circunstâncias especiais, observa os habitantes do universo na situação real  em que ele se encontram, e sem todas as relações que possam ter entre si. 
             A maior parte dos escritores do seu gênero são quase sempre, ou simples moralistas, ou apenas jurisconsultos, ou mesmo, algumas vezes, simples teólogos; ele, homem de todos os países e de todas as nações, ocupa-se menos daquilo que o dever de nós exige, do que dos meios pelos quais nos podem abrigar a satisfazê-lo, menos de perfeição metafísica das leis, que daquela de que a natureza humana as torna susceptíveis; menos das leis promulgadas que daquelas que se deviam ter promulgado; menos das leis dum povo em particular, que das de todos os povos. Assim, comparando-se a si aqueles que percorreram antes dele essa grande e nobre carreira, podia dizer como Corregio, quando viu as obras dos seus rivais: "Também eu sou pintor!" Talvez o famoso pintor, instintivamente, não quisesse sentir-se inferior diante de tanta grandeza. 
             Seguro e compenetrado do assunto, o autor do Espírito das Leis abraça um tão grande número de materiais, e trata-as, ao mesmo tempo, com tanta concisão e conhecimento, que só uma leitura assídua e meditada pode fazer sentir o mérito desse livro. Ele servirá sobretudo para fazer desaparecer o pretenso defeito de método de que  alguns leitores acusaram o senhor de Montesquieu; superioridade que eles não deveriam acusá-lo ligeiramente de ter desdenhado em matéria filosófica e numa obra de vinte anos. Fiel às suas seções gerais, o autor reúne em cada uma os assuntos que lhe pertencem exclusivamente; e em relação àqueles que por diversos ramos pertencem a muitas seções ao mesmo tempo, ele colocou em cada seção o assunto que propriamente lhe compete; e assim se compreende facilmente e relação que as diferentes partes do assunto tem umas sobre as outras. 
            Com tudo isso, o senhor Montesquieu é para nós, pelo seu estudo das leis, o que Descartes foi para a filosofia; muitas vezes nos esclarece e em outras engana-se, mas, mesmo enganando-se instrui os que sabem ler.
           O amor pelo bem público, o desejo de ver todos os homens  felizes, vê-se ali bem claro; e não tivesse o livro senão esse mérito tão raro e tão precioso, por ele só seria digno da leitura dos povos de todos os países. Ainda que o grande pensador pouco tivesse sobrevivido à publicação do seu grande trabalho, ele teve a satisfação de entrever os efeitos que o livro começou a produzir entre as populações, da época e de hoje. O amor natural dos franceses, povo de essência culta, pela sua pátria, voltado para seu verdadeiro objeto; este gosto pelo comércio, pela agricultura e pelas artes e ciência, que se espalhou sensivelmente pelo país. O modo do povo ver os princípios da governança, que une mais os povos ao que eles devem amar. Mesmo aqueles que, por razões obscuras, atacaram essa obra, devem-lhe mais do que imaginam. 
            Tão logo apareceu o Espírito das Leis, foi muito procurado pela própria reputação do autor; mas embora o Sr  de Montesquieu tivesse escrito para o bem do povo, não devia ter o povo por juiz; a profundeza do assunto era uma consequência da sua importância. Entretanto, boatos espalhados sobre a obra, persuadiram  muitas pessoas de fora escrita para elas. O autor já era muito conhecido e, por isso, esperava-se um livro agradável, e encontrava-se um livro útil, do qual não se podia, sem alguma atenção, aprender o conjunto e os detalhes de importância universal. O próprio título, "Espirito das Leis" foi objeto de gracejos; emfim, um dos mais belos monumentos da literatura que saíram da França foi olhado pelo povo com demasiada indiferença. Mas, em se tratando de um povo bastante culto, logo os verdadeiros juízes, que tiveram tempo para ler a obra, fizeram virar a multidão, sempre pronta a mudar de opinião. A parte do público que ensinava ditou à parte que escutava o que ela devia pensar e dizer. Pouco a pouco, a opinião dos homens esclarecidos junta-se aos ecos que repetem as suas palavras e, assim, formou-se uma só voz em toda a Europa. 
           Como não podia deixar de ser, os inimigos públicos e secretos das letras e da filosofia, que sempre existe entre os inescrupulosos da política e da justiça, reuniram suas forças contra a obra. Muitas obras contrárias às sábias palavras do Sr. de Montesquieu,  foram lançadas para combatê-la. A luta dos imprudentes foi tão grande que parecia ter sido uma obra feita por bárbaros.   Felizmente, a sabedoria do povo europeu soube livrar-se desse entulhos contra as verdades ditas na obra. 
            O Senhor de Montesquieu desprezou essas críticas de autores sem talento que, pela inveja ou para satisfazer a má vontade do público que ama a sátira, logo entraram para o rol dos esquecidos. Não julgou o propósito e nem perdeu seu precioso tempo a combatê-los; contentou-se em dar um exemplo de humildade e compreensão. Foi acusado de Espinosismo (seguidor de Espinosa) e de Deísmo (imputações incompatíveis). Também foi acusado de haver seguido o sistema de Pope (do qual não havia uma só palavra em sua obra); de ter citado Plutarco, um escritor cristão; de não ter falado nada sobre o pecado original e da graça. 
            Naquela época a Igreja era a instituição mais poderosa e, portanto, foi provocada a dar sua opinião. Mas, apesar de que se tenha ocupado do assunto desde há muitos anos, ainda hoje, não se pronunciou a tal respeito; e mesmo que tivessem escapado ao Sr. Montesquieu qualquer ligeiras inadvertências, quase inevitáveis numa tão vasta matéria, a longa e escrupulosa atenção que ela demandou, nunca foi contestada pela corporação eclesiástica, que sempre foi prudente. Conhece ela os limites da razão e da fé; sabe que a obra de um homem de letras não deve ser apreciada  como a de um teólogo. Em seu meio, apesar destas acusações injustas, o Sr. de Montesquieu sempre foi estimado, procurado  e acolhido por tudo o que a Igreja possui de mais respeitável e superior. De forma que sempre foi conservado entre  as pessoas de bem  e nunca foi visto um escritor perigoso. 
            Enquanto alguns franceses o atormentavam em seu país, a Inglaterra erguia um monumento à sua glória. Em 1752, o Sr. Dassier, celebre pelos medalhões que cunhou em honra  de muitos homens ilustres, veio de Londres a Paris para fazer sua homenagem ao grande escritor.  Também o pintor Sr. Tour, artista de grande superioridade pelo seu reconhecido talento, deu um novo esplendor à sua paleta, transmitindo à posteridade o retrato do autor do Espírito das Leis. E não o fez pela sua própria glória, mas pela hora de pintá-lo. Mas o Sr. de Montesquieu constantemente e delicadamente às suas constantes solicitações. Já o Sr. Dassier, que a princípio encontrou idênticas dificuldades para por em prática o seu propósito, disse enfim a Montesquieu: "julgais que não há tanto orgulho em recusar aceder ao meu pedido, como em aceitá-lo?" Desarmado por esse gracejo, ele finalmente consentiu. 
                Finalmente, depois de ser tão combatido injustamente, o autor do Espírito das Leis, gozava emfim tranquilamente a sua glória. Infelizmente caiu doente em fevereiro daquele ano. A sua saúde, naturalmente delicada, começava a alterar-se depois de tanto tempo pelo efeito lento e quase infalível dos estudos profundos, pelos aborrecimentos que haviam procurado suscitar-lhe por causa da sua obra; e enfim pelo gênero de vida que fora forçado a seguir em Paris, e que sentia ser-lhe funesto. Mas a solicitude com que se procurava a sua intimidade era demasiado viva para não ser algumas vezes indiscreta; queria-se gozar da sua companhia à custa de sua frágil saúde. Quando a notícia sobre sua saúde chegou ao público tornou-se objeto constante de conversas e inquietação. Sua casa encheu-se de pessoas de todas as classes, que vinham informar-se do seu estado, umas por verdadeiro interesse, outras para se darem aparências. 
             Em 10 de Fevereiro de 1755, com sessenta e seis anos completos, a França e a Europa perderam seu ilustre sábio. Os países estrangeiros apressaram-se  em manifestar os seus sentimentos; a Academia Real das Ciências e das Letras da Prússia, apesar de não estar ali em uso fazer o elogio dos associados estrangeiros, julgou do seu dever prestar-lhe  essa honra, que ainda não dispensara senão ao ilustre João Bernouilli; o Sr. de Maupertuis, embora doente como estava, prestou ele próprio ao seu amigo essa última homenagem, não aceitando fazer-se substituir por outra pessoa  nesse momento tão caro e tão triste. 
           Em 17 de Fevereiro a Academia Francesa dedicou-lhe , segundo o uso, uma sessão solene, apesar do rigor da estação, quase todos os homens de letras pertencentes á corporação, que não estavam ausente de Paris, tomaram como deve assistir. 
              No convívio com todos, indistintamente, o Sr. de Montesquieu era de uma afabilidade e alegria inalteráveis. Sua conversação era leve, simples, agradável e instrutiva pelo grande número de homens e de povos que conhecera. Era lacônica como o seu estilo, cheia de argúcia e de relevo, sem azedume e sem sátira. Sabia ele que a intenção de uma história alegre está sempre no fim; e a ele se apressava em chegar, e produzia o efeito sem ter prometido. 
              As suas frequentes distrações tornavam-se ainda mais interessantes, e saía sempre delas por qualquer dito inesperado, que despertava a conversação adormecida; de resto eles não eram nem zombeteiros, nem chocantes, nem importunos. Originava-os o fogo do seu espírito, a grande número de ideias de que estava em plena posse, mas nunca os fazia cair no meio duma conversação de interesse ou séria. O desejo de agradar àqueles com quem se encontrava o fazia entregar-se a eles sem esforço. 
              Os encantos do seu convívio provinham não somente  do seu espírito, mas da espécie de regime que observava no estudo. Ainda que capaz duma meditação profunda e por longo tempo sustentada, ele não esgotava jamais as suas forças, deixando sempre o trabalho antes de sentir a menor impressão de fadiga. Era sensível à glória, mas não queria obtê-la senão merecendo-a. Jamais procurou aumentar a sua por manobras surdas, por caminhos obscuros e vergonhosos, que desonram a pessoa sem nada juntar ao nome do autor. 
             Embora convivendo com grandes personalidades de sua época, O Sr. de Montesquieu, por decoro ou por prazer, não tinha necessidade disso para ser feliz. Lhe bastava seu pensamento vivaz e criativo. Sempre que possível, fugia com alegrias para seus pensamentos, seus livros, sua filosofia,e seu descanso. Nas horas de ócio, preferia a companhia das pessoas simples do campo. Depois de ter estudado a profundeza do homem no convício do mundo e na história das nações, era na simplicidade da vida e da natureza que buscava novas inspirações. Alegremente, em sua essência de sábio,  conversava sobre todos os assuntos com aquelas pessoas simples como ele. Parece que a natureza e aquele convívio lhe trazia o espírito de Sócrates e,  assim, suavizava suas mágoas e trazia quietude ao seu coração. 
            Numa sociedade avarenta e faustosa, nunca deixou que aqueles homens e mulheres lhe conseguissem mudar. Benfeitor, e por conseguinte justo, nunca quis coisas materiais de sua própria família; lhe bastava o que precisava para as suas despesas, não apenas alimentar, mas também para suas viagens em benefício da humanidade. Transmitiu para seus filhos a herança que havia recebido de seus pais. Esse artigo é apenas um resumo que pude fazer, mesmo sabendo que não se pode resumir em algumas palavras a grandeza de um homem  como foi o Sr. de Montesquieu.  
Nicéas Romeo Zanchett 
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