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segunda-feira, 27 de maio de 2013

SANTO DAIME - VIAGEM ALÉM DA ALMA


SANTO DAIME 
VIAGEM ALÉM DA ALMA 
Por Nicéas Romeo Zanchett

                     O Santo Daime tem fundamento no sistema religioso, onde as pessoas fazem uso sacramental de uma bebida enteógena (do inglês: entheogen ou entheogenic) -(alucinógena). O enteogénico é o estado xamânico ou estase induzido pela ingestão de substâncias alteradoras da consciência. A palavra enteógeno significa literalmente "manifestação interior do divino"; se refere  à comunhão religiosa sob efeito de substâncias visionárias ou à ataque de profecia e paixão erótica. 
                      Segundo os adeptos, a doutrina do Santo Daime  é uma missão espiritual cristã; o daimista, ao participar dos cultos e ingerir a bebida da seita, inicia um processo de auto-conhecimento, cujo objetivo é corrigir defeitos e alcançar a perfeição.  
                       A poção mágica do Santo Daime foi descoberta pelos índios da Amazônia há centenas de anos; Considerada pelos incas como o "vinho da alma", ela ultrapassou as fronteiras  regionais e se tornou a fascinação de pessoas cultas como ecologistas, executivos, empresários e artistas famosos. 
                       Ao redor da bebida ferruginosa, que conduz os iniciados a uma viagem pelo astral e ao interior de si mesmos, fundou-se uma religião com adeptos da idolatria à natureza; sincretizada com elementos do culto católico com as imagens, a cruz, o rosário, música e velas. 
                         Orar às divindades e tomar o Daime pode atravessar uma noite inteira. São ocasiões muito especiais para os seguidores da doutrina, que cantam incansavelmente os hinos, ao som dos maracás, dos violões e outros instrumentos. Na letra simples das canções estão os ensinamentos da religião.  Os cânticos, a mais constante referência para o povo do Santo Daime, são ensinados na escola e cantarolados durante o trabalho. 
                         Após bailarem por doze horas, os participantes do culto - entre eles o padrinho em farda de gala, saúdam o amanhecer.  Os homens e as mulheres ficam em espaços separados. As garrafas contendo o Daime permanecem no altar, entre os utensílios sagrados, como o rosário e a cruz.  Do lado de fora da igreja, o céu estrelado compõe o cenário da floresta e renova a "ligação" dos que tomaram o Daime. Antes de tomarem o chá  os fiéis passam por um jejum preparatório; depois vem a concentração. As crianças tem lugar próprio no ritual e entram na fila para ingerir o chá; os hinários ficam sobre o altar, iluminados pelas velas. 
                          A preparação da bebida também exige um delicado ritual. Tudo começa com a colheita das folhas e do cipó que existe no interior da floresta amazônica. Às mulheres cabe recolher e limpar as folhas, que são consideradas a porção feminina da bebida; aos homens é destinado o cuidado com o cipó. Depois da colheita da matéria prima para a feitura da "ayhuasca", as mulheres da seita, sentadas em circulo, se dedicam  a limpar as folhas. Aos homens, cabe a tarefa de buscar o cipó na floresta, socá-los em pilões até torná-lo maleável para o cozimento. O cozimento do Daime expele vapores inebriantes, sugerindo um ritual de feitiçaria. Constantemente o "padrinho" - uma espécie de xamã - examina a textura do elixir que será tomado à noite pela comunidade inteira. Tudo acontece como um mutirão astro-ecológico. 
                           Dentro da doutrina do Santo Daime, da união da força do cipó com a luz da folha, nasce o efeito divino do chá. Na casa do "feitio", onde é proibida a entrada de mulheres, o cipó é raspado e socado em grandes pilões, e depois colocado para cozinhar em caldeirões.  Uma vez pronto, o Daime é engarrafado e guardado até o momento do consumo. 
                           À noite, depois que todos tomaram a poção, o ritual começa. Em meio às mirações - visões provocadas pelo efeito do ayhuasca - desenvolve-se um inebriante bailado, por vezes, quase imperceptível.  Do lado de fora da igreja, o céu estrelado compõe o cenário da floresta e renova a ligação dos fiéis a seu deus. 
Foto do Céu de Mapiá em 1985

                           A comunidade dos seguidores da religião trabalham de forma comunitária. Às seis da manhã, homens e mulheres já estão em pé. Eles se revesam nos trabalhos comunitários que garantem a subsistência de todos. Plantio de hortas, colheita de produtos agrícolas, trabalhos de carpintaria, marcenaria e construções, além do ambulatório médico, da creche e escolinha rural, da preparação dos alimentos, etc.  Essa rotina de trabalho, onde não circula dinheiro,  é diária e só  interrompida durante o período de preparação do Santo Daime.  Durante todo o dia, a vida da comunidade se agita, com mulheres  passando as fardas (roupas especiais usadas nas cerimônias), limpando a igreja e arrumando as crianças para a festas. Estas tomam o Daime desde que nascem e participam das festividades ao lado dos adultos; crescem alegres em contato com a natureza, ostentando uma pureza contagiante, longe dos condicionamentos das grandes cidades. 
                           O "ayahuasca" segue um calendário prévio associado às comemorações dos dias dos santos católicos, ou batismo e aniversário dos padrinhos. Por isso, o momento de festa é aguardado com ansiedade. Para eles, beber o Daime é encontrar-se com as divindades. Mas as crianças, que, quando não estão na creche ou na escola, estão jogando bola, mergulhando nos rios do local, vivem felizes e indiferentes. Porém, na hora do bailado e da cantoria dos hinos, elas entram na fila, de forma bem comportadas. Dentro do costume da religião, bastante conservadora, durante as cerimônias, homens e mulheres  não devem se falar e tem seu espaço claramente dividido no salão. As moças e rapazes solteiros, assim com as crianças, também tem se um próprio lugar. Uma organização respeitada por todos  e que acaba por formar um desenho mágico, que, associado aos lentos e ritmados passos da dança e ao cantar dos hinos, completa a sensação de transe e leveza proporcionada pela ingestão da bebida. 
                            Como todas as religiões, o Santo Daime também tem suas seções de cura. Durante esses trabalhos, quando os doentes bebem  o Daime e recebem massagens, o ambiente torna-se mais denso.  Não há bailados, só a reza e a cantoria dos hinos. E nem todos participam, só os que julgam estar  bem para transmitir suas energias aos doentes. Às vezes, o espiritismo toma conta dos trabalhos (realizados numa casa chamada estrela) e o "padrinho" (xamã) incorpora alguma entidade da floresta, sob os olhares assustados dos demais participantes. Em silêncio, todos observam o "padrinho", que parece falar num idioma  indígena. Terminada a seção, tudo volta à rotina. Para os participantes de uma comunidade do Santo Daime tudo faz parte dos difíceis caminhos para se chegar a Deus. 
                            A diversidade de formas no culto ao ayahuasca parece indicar que o homem moderno continua construindo Deus à imagem e semelhança de sua cultura.  Enquanto para os índios a bebida continua sendo usada para ajudar na caça, aumentando o poder de percepção, e pelos curandeiros, nas curas espirituais, há centros onde a cultura é associada a rituais de candomblé e umbanda. Até hoje, Mestre Irineu, fundador da religião, é adorado, tanto pelos fiéis quando pelos que seguem seus sucessores.
                            O Santo Daime é uma religião brasileira, fundada no Acre; é uma forma de expressão cultural da floresta. Ela funde fragmentos de crenças e culturas afro-indu-americanas com práticas e hábitos do catolicismo popular.  O sincretismo místico do Santo Daime pode ser constatado pelo uso de símbolos como o sol, a lua, as estrelas e o pentagrama - herança da Índia e do Egito -, enquanto da África  encontram-se influências nas danças cadenciadas dos bailados; da religião católica vem os ingredientes das rezas como a ave-maria, as velas, as imagens, as salve-rainhas e a adoração à cruz; da América pré-colombiana herdou o domínio das plantas no ritual. 
                          O efeito da ayahuasca tem grande variação entre os usuários; varia de acordo com a quantidade, com a própria pessoa, com o ambiente no qual ela estará e, sobretudo, com a motivação. Ao que tudo indica, o uso da bebida ayahuasca, ou Santo Daime, provoca alterações mentais, mas que são canalizados de forma benéfica dentro do ritual, uma vez que é associado à "harmonia com a natureza e paz entre os homens".  As alterações mentais causadas pela ação do Daime sobre o sistema nervoso central podem variar da mudança nas percepções (cores mais fortes, sons mais intensos), até juízos falhos (interpretação diferente da realidade), ou ainda provocar visões sem objetos. O uso do Daime contribui para a ressocialização dos indivíduos, mas existe o risco de torná-lo um vício, uma dependência -(especie de muleta); a dependência física não é uma característica do alucinógeno, mas pode-se desenvolver uma necessidade psicológica. 
                          O uso da ayahuasca, no Brasil, é formalmente legalizado, mas é vetado o comércio e propaganda do mesmo, que só poderá ser utilizado sem fins lucrativos em em cerimônias religiosas. A bebida chegou a ser proibida em 1985, sendo liberada dois anos depois, e ocorreu uma nova tentativa de proibição nos anos 1990.
                          O novo xamanismo - ou neo-xamanismo - é uma mistura de rituais dos povos nativos de toda a América; consiste numa mistura  de cristianismo, hinduísmo, budismo, ioga, meditação e até psicologia junguiana.  O objetivo é conectar-se com o sagrado, com o "grande espírito" e com o próprio "eu superior" o Self  como era chamado por Jung.  O guia para este mundo interior consiste em exercer as múltiplas práticas psicodélicas de meditação e rituais que surgiram pelo mundo. As maneiras de chegar lá são diversas, vão desde bater tambor até cantar hinos e ingerir bebidas feitas das conhecidas como "plantas de poder", dotadas de propriedades psicoativas. Entre as principais plantas estão o "peyote", dos índios da América do Norte; o "wachuma", dos índios andinos, que na língua quéchua significa "ébrio consciente"; a "jurema" da Amazônia, cujo princípio ativo é o DMT (dimetiltriptamina); a "ayahuasca",  a mais popular é uma mistura de um cipó e uma folha, que também contém DMT, substância catalizadora das "mirações" - ou visões.
                          O xamanismo é considerado o berço das religiões que começaram a surgir na moderna espiritualidade do homem que busca uma conexão. 
                          Nas práticas de meditação, a aproximação ao divino passa a ser  um girar psicológico em círculo em torno de si mesmo para descobrir todos os aspectos individuais;  isto equivale a admitir que a psique tem um caráter tão real  como o mundo exterior e que a experiência religiosa que, por definição, é a apreciação do mais elevado, também atinge os níveis mais profundos da mente humana. 
                           Os rituais, que se baseiam no princípio da intensificação gradual, com o ponto culminante de catarse ou êxtase, fomentam a solidariedade de vida, e o homem atua como centro responsável pelo rito. 

                          A luta universal entre as forças da luz e da obscuridade, ou do bem e do mal, tem inumeráveis representações  na iconografia do mundo inteiro. O grande ciclo da vida, do nascimento à morte e ao novo nascimento, constitui o núcleo de todos os cultos religiosos.  O comportamento ritual mostra a aplicação da intuição e da emoção humanas aos fenômenos não humanos. 
                          Na igreja cristã primitiva, a dança sagrada era executada em coro superior, e o bispo era quem a dirigia. A ideia de alguns seres celestiais que rodeiam o trono de Deus e o louvam com seus cânticos remonta ao Talmude  no qual diz-se que a dança é a principal função dos anjos. Nos primeiros anos do cristianismo, pensava-se que durante o Serviço Divino, sobretudo na missa, os anjos estariam presentes no coro e com Cristo participariam na representação do mistério.  
                        Em todos os tempos e lugares, as religiões visam capturar a psique humana; fazendo uso dos medos dos fiéis, os lideres religiosos procuram mantê-los sob seu domínio.
                         O homem percebe seu próprio ser e tem conhecimento do mesmo unicamente enquanto é capaz de visualizá-lo na imagem de seus deuses, que constituem a medida de sua penetração no mistério do ser. Confrontado com o caos da experiência e com sua própria impotência, ele sente necessidade de transcender de sua condição, pois sua vida continua dependente da sua capacidade para estabelecer um vínculo duradouro com a fonte do poder universal. Em razão disso, apesar de todo o avanço cientifico da humanidade, as religiões e seitas continuam dominando o intelecto dos seus seguidores. 
                         Os seres vivos e o universo, o microcosmos e o macrocosmos, obedecem universalmente as mesmas leis. As danças rituais e as bebidas, pelos crentes, são consideradas necessárias para, de vez em quando, mover o cosmos a seu favor. A situação terrena, que implica a divina, mostra o homem como herói de seu próprio drama vital, mas também como outro simples ator na obra mais ampla que regula a vida e a morte. Penetrar no tempo sagrado equivale a penetrar no eterno e intemporal, que é idêntico ao aqui e agora. Tornar-se "um" diante de toda a criação universal constitui a marca do divino e significa o paraíso para o homem. 
                       A psique humana, como fonte de todos os fenômenos religiosos e culturais, conserva o conhecimento adquirido pelo homem antes do aparecimento da consciência de si mesmo. Se o homem crente deseja recuperar a integridade, põe-se a necessidade cultural de estabelecer o vínculo divino e, com a ajuda da mente consciente, compreender as imagens adormecidas  em sua psique. Com rituais e bebidas alucinógenas liberam-se as tensões emocionais e se engendra nova esperança em relação às necessidades humanas que surgem na vida individual  e seus equivalentes sazonais da natureza e do cosmos, para garantir a felicidade eterna que se alcançará com a transformação final. O rito é, portanto, uma necessidade metafísica, em que se combinam circunstâncias humanas e acontecimentos cósmicos, embora a profunda seriedade da vida ideal possa ficar mascarada pela imitação e pela representação. 
                        Para o crente, o ritual religioso impulsiona-o a ultrapassar os confins da consciência e a saltar sobre o abismo inexistente entre a espontaneidade e a reflexão. Com o objetivo de compreender o mundo e harmonizar-se com ele, apenas necessita de conhecer os mitos, participar nos rituais e decifrar  seus símbolos; e, através deles se vincula com seu mundo interior e com o divino. A substância divina imaterial, quando se manifesta nas regiões mais íntimas ou mais inferiores, se recobre com a substância material de todas as esferas, através das quais viajou. A luta entre aspectos luminosos e obscuros, como sintomas duais manifestos da unidade que é a vida, se desenvolve em todos os níveis da criação.
                         Aquilo que compõe a nossa vida é um misterioso padrão de movimento que não somos capazes de definir nem compreender. De fato, o nosso intelecto não é ferramenta adequada  para podermos entender a misteriosa dimensão da existência. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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segunda-feira, 13 de maio de 2013

MAESTRO CARLOS GOMES- Por Nicéas R. Zanchett


MAESTRO CARLOS GOMES 
Por Nicéas Romeo Zanchett
                  Antônio Carlos Gomes, o maior operista brasileiro de todos os tempos nasceu numa segunda- feira, em 11 de julho de 1836, numa humilde casa da Rua da Matriz Nova, em Campinas, ("cidade das andorinhas"); filho do Sr. Manoel Gomes "Seu Maneco Músico", e de dona Fabiana Jaguari Gomes. 
                  A vida de Carlos Gomes sempre foi marcada pela dor. Ainda muito criança, perdeu tragicamente  a mãe. Seu pai, além de estar sozinho para criar e educar 26 filhos, vivia em dificuldades financeiras. Com os próprios filhos fundou uma banda musical, onde Carlos iniciou seus passos artísticos. Desde cedo, revelou seus pendores musicais, incentivado  pelo pai e depois por seu irmão, José  Pedro Santana Gomes, fiel companheiro de todas as horas.  Em Campinas era conhecido por Nhô Tonico, nome com o qual assinava até suas dedicatórias. Pertencia a uma família formada por agricultores, relojoeiros, marceneiros, encadernadores, farmacêuticos, trombonistas, flautistas e até dois padres. Descendente de espanhóis, família Gomez, (com z). Seu bisavô, D.Antônio Gomez, fora bandeirante e casara-se com a filha de um cacique. 
                 Aos 18 anos de idade, apresentou sua primeira "missa", em cuja execução ele próprio cantou alguns solos. A emoção que lhe embargava a a voz comoveu a todos os presentes, especialmente o irmão mais velho, que já previa seu triunfo na música universal. 
                 Quando chegou aos 23 anos, com seu pai, apresentava vários concertos. Nessa época, apesar de moço, lecionava piano e canto, ao mesmo tempo em que se dedicava com afinco ao estudo das óperas, demonstrando preferência por Verdi. Já era conhecido também  em São Paulo, onde realizava frequentes concertos; e foi lá que compôs o "Hino Acadêmico", ainda hoje cantado pelos jovens estudantes  da Faculdade de Direito. Ali recebeu os mais amplos estímulos de todos que lhe apontavam o rumo da Côrte, onde iria aperfeiçoar-se no Conservatório. A maior dificuldade para ir ao Rio de Janeiro estava no fato de que seu pai não tinha recursos para custear sua viagem.  
                 Num certo dia, com o pretexto de realizar concertos em São Paulo, Carlos Gomes saiu de casa com destino àquela cidade. Mas sua verdadeira intenção era ir para o Rio de Janeiro. Foi uma fuga bem planejada. Arranjou um burro e disse apenas ao irmão e confidente, José Pedro, que ia para Santos, onde embarcaria para o Rio de Janeiro. Pedro Riu e disse-lhe que não teria coragem de abandonar a terra natal e logo voltaria de Santos. - Qual! - respondeu-lhe o futuro maestro - "só voltarei coroado de glórias ou só voltarão meus ossos!"
                 E lá se foi Carlos Gomes, montado no burrinho, em sua penosa marcha pela serra até Santos, onde embarcou no navio "Piratininga". Rumo á Côrte, debaixo de fortes aclamações de estudantes e amigos, levando consigo uma carta de recomendação, que lhe facilitaria o acesso ao Paço de São Cristóvão e ao bondoso D.Pedro II. E lá se foi Nhô Tonho em busca do futuro. 
                 Os primeiros dias no Rio de janeiro foram de pura saudade e tristeza. Hospedou-se na casa do pai de um estudante de São Paulo; sentia remorso por haver abandonado o velho pai, que fora também seu grande mestre. Depois de algum tempo, porém, escreveu-lhe pedindo perdão e revelando-lhe seus planos. O velho "Maneco Músico", ante o tom sincero da carta, comoveu-se e não só perdoou o aventureiro, mas passou a lhe mandar uma modesta mesada mensal, dizendo-lhe "Que Deus te abençoe e te conduza, próspero, avante pelo caminho da glória. Trabalha e sê feliz! Teu Pai". Ao receber esta resposta tão incentivadora, sentiu-se disposto a enfrentar qualquer dificuldade que surgisse em seu caminho. 
                  Apresentado ao Imperador, por intermédio da Condessa Barral, o monarca, sempre amigo e protetor dos artistas, encaminhou-o a Francisco Manuel da Silva, diretor do Conservatório de Música e também incentivador dos jovens músicos.
                  A sorte estava lhe sorrindo. E Carlos Gomes teve como primeiro mestre, em contraponto, Joaquim Giannini, famoso musicista italiano, que viveu muito tempo no Brasil. Em 1860, ano seguinte, na festa de encerramento dos cursos, Carlos Gomes apresentou um composição sua. Mas, atacado de febre amarela, caiu doente e impossibilitado de comparecer. Sua ausência foi muito lamentada. Eis, porém, que surge o imprevisto: Quando o maestro ia dar início à "cantata", o jovem campineiro surge no estrado; com os olhos ainda brilhando de febre, pede a batuta para dirigir sua peça. Sua costumeira obstinação se manisfestou e nada poderia demovê-lo de dirigir. Aplausos e mais aplausos marcaram sua apresentação, mas Carlos Gomes, enfraquecido não pode resistir e desmaiou, sendo levado sem sentidos para casa.  Quando tudo isto chegou aos ouvidos do soberano, este mandou levar-lhe uma medalha de ouro, como recompensa a seu esforço e talento.  Começa então a marcha triunfal de Nhô Tonico rumo ao sucesso. 
                  Em 4 de setembro de 1861, foi cantada, no Teatro da Ópera Nacional, "Noite do Castelo", o primeiro trabalho de fôlego de Antônio Carlos Gomes, baseado na obra de Antônio Feliciano de Castilho. Constitui-se em grande revelação e exito sem precedentes nos meios musicais do país. Carlos Gomes foi levado para casa em triunfo por uma entusiástica multidão, que o aclamava sem cessar. O Imperador, também entusiasmado com o sucesso do jovem compositor, agraciou-o com a "Ordem das Rosas". A Côrte toda estava conquistada e Carlos Gomes se tornara figura querida e popular. 
                  Embora já fosse  muito popular, era também muito contestado por seus cabelos compridos. Faziam piadas que até ele mesmo ria. Certa ocasião viu um anúncio que fora emendado: onde dizia "Tônico para cabelos" mudaram para "Tonico APARA os cabelos". Virou-se para seu inseparável amigo Salvador de Mendonça, e disse sorrindo: - "Será comigo?" 
                 Francisco manuel, a respeito do jovem musicista, costumava dizer: "O que ele é, só Deus e a si o deve!"
                 A saudade do seu velho pai e de sua querida campinas atormentava-lhe o coração. Lá ficou também sua amada Ambrosina, moça da família Correa do Lago, com quem namorava. Pensando nela, Carlos Gomes escreveu essa joia que se Chama "Quem sabe?", de uma poesia  de Bitencourt Sampaio, cujos versos "Tão longe, de mim distante..." ainda hoje são cantados. 
                 Dois anos depois desse memorável triunfo, Carlos Gomes, apresenta sua segunda ópera "Joana de Flandres", com libreto de Salvador de Mendonça, levada à cena em 15 de setembro de 1863. 
                 Como corolário do êxito, na Congregação da Academia de Belas Artes, foi lido um ofício  do diretor do Conservatório de Música, comunicando ter sido escolhido o aluno Antônio Carlos Gomes para ir à Europa, às expensas da Empresa de Ópera Lírica Nacional, conforme contrato com o Governo Imperial. Estava assim concretizada uma velha aspiração do jovem campineiro que, mesmo comovido, ao ir agradecer ao Imperador, ainda se lembrou do seu velho pai e solicitou para este o lugar de mestre da Capela Imperial. Enternecido ante aquele gesto de amor filial, D.Pedro II acedeu. 
                 Era chegado o momento de ir para a Europa, onde se consagraria.  O Imperador  preferia que Carlos Gomes  fosse para a Alemanha, onde pontificava o grande Wagner, mas a Imperatriz, D. Teresa Cristina, italiana, sugeriu-lhe a Itália. 
                 Em 8 de novembro de 1863, o estudante partiu a bordo de um navio inglês, o "Paraná". Embarcou sob caloroso aplausos de amigos e admiradores, que se comprimiam no cais. Levava consigo recomendações de D. Pedro II para o rei Fernando, de Portugal, pedindo que apresentasse Carlos Gomes ao diretor do Conservatório de Milão, Lauro Rossi. O jovem compositor passou por Paris, onde assistiu a alguns espetáculos líricos, mas seguiu logo para Milão. Lauro Rossi, encantado com o talento do jovem brasileiro, passou a protegê-lo e a recomendá-lo aos amigos. 
                 Em 1866, Carlos Gomes recebia o diploma de mestre e compositor, e os melhores elogios de todos os críticos e professores. A partir de então, passou a compor. Sua primeira peça musicada foi "Se sa Minga", em dialeto milanês,  com libreto de Antônio Scalvini, estreada em 1 de janeiro de 1867, no Teatro Fosseti. Um ao depois, surgia "Nella Luna", com libreto do mesmo autor, levada  à cena no Teatro Carcano. 
                 Carlos Gomes já gozava de merecido renome na cidade de Milão, grande centro artístico, mas continuava saudoso da pátria e procurava um argumento que o projetasse definitivamente. Certa tarde, em 1867, quando passeava pela Praça del Duomo, ouviu um garoto apregoando: "Il Guarani!  Il Guarani! Storia interessante dei selvaggi del Brasile!"  Tratava-se de uma péssima tradução do romance de José de Alencar, mas aquilo lhe interessou imediatamente e comprou o folheto e em seguida procurou o amigo Salvani, que também se impressionou pela originalidade da história. E, assim surgiu "O Guarani", que, apesar de não ser a sua maior nem melhor obra, foi aquela que o imortalizou.  A noite de estreia da nova ópera foi em 19 de março de 1870. Os maravilhosos acordes de sua abertura é conhecido por praticamente todos os amantes de música clássica. A ópera, por ter musicalidade agradável, com sabor bem brasileiro, onde os índios tinham papel de primeira plana, logo ganhou enorme projeção. Foi representada em toda a Europa e na América do Norte. 
                 O grande Verdi, já glorioso e consagrado, disse: "Questo giovane comicia dove finisco oi!" 
                  Na noite de 2 de dezembro de 1870, data do aniversário do Imperador D. Pedro II, em grande gala, foi estrelada a ópera no Teatro Lírico Provisório, no Rio de Janeiro. Os principais trechos foram cantados por amadores da Sociedade Filarmônica. Uma noite memorável, em que o maestro viveu horas de intensa consagração e emoção. Depois, "O Guarani" foi levado à cena nos dias 3 e 7 de dezembro, sendo que nesta última noite, em benefício do autor. Nesta mesma data o maestro conheceu André Rebouças. Após o espetáculo, houve um alegre "marche de flambeaux", com música, até ao Largo da Carioca, onde estava hospedado Carlos Gomes, em casa de seu amigo Júlio de Freitas. Por intermédio de André Rebouças, o compositor foi apresentado ao ministro do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, em sua casa, nas Laranjeiras.  
                   Quando da estréia do "Guarani", em Milão, o famoso tenor italiano Villani, escolhido para o papel de Peri, criou um problema: ele usava barbas e se recusava a raspá-las. Carlos Gomes protestou: "Onde é que já se viu índio brasileiro barbado?" dizia ele.  O tenor era uma dos  grandes nomes da época e não poda ser simplesmente dispensado. Mas, afinal, tudo se ajeitou. O tenor apresentou-se disfarçando sua barba com pomadas e outros ingredientes.  Na mesma ocasião Carlos Gomes teve de enfrentar outra dificuldade; é que, em certos trechos de música bárbara e nativa, eram necessários borés, tembis, maracás ou inúbias e isto não havia na Itália. Incansável, Carlos Gomes antou por todos os lugares, mas não encontrou; a solução foi fabricar os instrumentos, sob sua direção, numa afamada fábrica de órgãos, em Bérgamo. Essa foi a decisiva prova de seu grande amor pela pátria e as coisas de sua terra. 
                   No dia 1 de janeiro de 1871, Carlos Gomes vai a Campinas visitar seu irmão José Pedro santana. Em 18 de fevereiro, com André Rebouças, despede-se do Imperador em São Cristóvão. E, no dia 23 segue para a Europa novamente. 
                  Na Itália, Carlos Gomes casou-se com Adelina Péri, que devotou toda sua vida ao maestro. Desse consórcio nasceram cinco filhos, todos muito amados pelo compositor. Todavia, um a um foram morrendo ainda criança, restando somente a filha Ítala Gomes Vaz de Carvalho, que escreveu um livro honrando a memória de seu glorioso pai. 
                  A seguir, Carlos Gomes escreveu "Fosca", considerada por ele como sua melhor obra, além de "Salvador Rosa" e "Maria Tudor". 
                  Em 1866, e novo no Brasil, Carlos Gomes recebeu uma justa consagração na Bahia, onde, a pedido de Artur Napoleão, grande pianista português, compôs "Hino a Camões", para o centenário camoniano, executado simultaneamente, ali e no Distrito Federal, com grande sucesso. 
                  Abalado por seguidos e profundos desgostos, doente, desiludido, Carlos Gomes não mais perseguia a glória como no passado; procurava uma forma que lhe permitisse viver em sua pátria e ser-lhe útil. Contudo, seu estado de saúde era mais grave do que supunha. 
                  De volta à Itália, compôs a grande ópera "O Escravo" que, entretanto, por vários motivos, não pode ser representada ali. Foi leva à cena pela primeira vez, no Rio de janeiro, em 27 de setembro de 1887, em homenagem á princesa Isabel, a Redentora, com esplêndido sucesso. 
                  Em 3 de fevereiro de 1888, outra vez na Itália, Carlos Gomes estréia, no "Scala de Milão", "Condor", com grande êxito; nessa peça apresentava uma nova forma, muito mais próxima do recitativo moderno. 
                  As desilusões, as decepções, a ingratidão de seus compatriotas, além de suas dores, causada pela doença que o levaria ao tumulo, ainda não lhe haviam quebrantado a resistência. Estava á espera de sua nomeação para diretor do Conservatório de Música, no Brasil. Nesse tempo foi proclamada a República e, infelizmente, seu grande amigo D. Pedro II é exilado, causando-lhe grande mágoa . Mesmo assim ainda compôs "Colombo", poema sinfônico, que, incompreendido pelo grande público, não obteve êxito. 
                  Apos tanto sofrimento, finalmente chegou um convite de Lauro Sodré, então governador do Paraná, pedindo-lhe para organizar e dirigir o Conservatório daquele estado. Carlos Gomes, a fim de por em ordem suas coisas pessoais e despedir-se dos filhos, volta à Itália.  Reúne elementos para uma obra grandiosa que, apesar de seu estado estar se agravando, ainda conseguiu realizar.  Ainda na Itália, os amigos preocupados com sua saúde, o aconselham a fazer uma estação em Salso Maggiore, mas ele desejava partir o quanto antes para sua pátria. Chegou, então, a Lisboa, por estrada de ferro, onde recebeu calorosa e comovedora homenagem.  A 8 de abril de 1895, nessa mesma cidade, sofre a primeira intervenção cirúrgica na língua, sem resultados animadores. Em seguida embarca no vapor "Óbidos" rumo ao Brasil. De passagem por Funchal, tem o prazer de reabraçar seu velho amigo Rebouças, ali exilado. Carlos Gomes nunca se conformou com o fato dos republicanos terem exilados seus amigos queridos que tanto o ajudaram. 
                   Finalmente, atendendo ao convite do governador Sodré, em 14 de maio, foi recebido pelo povo paranaense com comoventes aplausos e manifestações de boas vindas.  Sua vida, contudo, estava no fim.  Entrega-se de corpo e alma ao trabalho e tem sua saúde agravada justamente num momento de alegria, quando o povo de sua terra natal lhe retribuía, com gratidão, o amor e respeito pelo qual tanto lutou. 
                   Diante de seu estado, o governo de São Paulo autoriza uma pensão mensal de dois contos de réis, importância relativamente vultosa para a época, enquanto vivesse; pelo mesmo decreto, após sua morte, os filhos receberiam a importância de quinhentos mil reis, até completarem a idade de 25 anos.  Nessa ocasião, existiam somente dois filhos do maestro.
                   Alguns dias antes de morrer, Carlos Gomes dizia: "Qual, o mano Juca não chega... eu sou mesmo o mais caipora dos caipiras..."
                   Em 16 de setembro de 1896, o Brasil cobre-se de luto com a morte de seu filho, o grande maestro, que tanto horara o nome de sua pátria no exterior. O governo paulista solicitou ao do Paraná, o envio do corpo de Carlos Gomes que hoje se encontra no magnífico monumento-túmulo, em Campinas, sua terra natal, na Praça Antônio Pompeu. 
                   Em 1936, em todo o País, com grandes solenidades, foi comemorado o centenário de seu nascimento. 
                   Carlos Gomes faz jus também ao nosso reconhecimento pelo seu grande espírito de brasilidade, que sempre conservou, mesmo no estrangeiro e nas horas mais difíceis. A imortal música do Nhô Tonico de Campinas continua viva no coração de todos os brasileiros. 
Nicéas Romeo Zanchett 
http://artesplasticasliteraturaefilosofia.blogspot.com.br 
              
                

terça-feira, 7 de maio de 2013

A DIVINA COMÉDIA - de Dante Alighieri

A DIVINA COMÉDIA 
                Considerada uma das principais obras literárias de todos os tempos, a Comédia de Dante Alighieri é um poema  alegórico em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso; composto de cem cantos em tercetos (cada parte com 33 cantos, e mais um de abertura, formando o número de 100 que na época era considerado um símbolo de perfeição. Escrita em italiano, iniciada provavelmente em 1307 e concluída em 1321. Narra uma odisseia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso. Com muita habilidade, Dante, o personagem da história, descreve cada etapa da viagem com detalhes quase visuais; é guiado pelo inferno e purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, musa preferida do autor. 
              Sua forte mágoa pela morte de Beatriz e o anseio de exaltar-lhe as virtudes, a adversão pelas injustiças e violências a que assistira, quando estava em Florença e durante o exílio, e mais o desejo de indicar aos homens o caminho do bem e do reto governo político, apontando-lhes as penas e a bem-aventurança da vida ultraterrena, induziram Dante Alighieri a dedicar-se, por mais de dez anos, a uma obra sobre-humana e eterna, a que chamou, modestamente, "Comédia", a fim de indicar o estilo em que fora escrita, e que, somente mais tarde, graças à iniciativa do seu primeiro grande comentador, Giovanni Boccaccio, se ornamentou com o objetivo de "Divina"; divina no significado de poema de argumento sagrado, porque, nela, Dante imaginou uma viagem através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso, mas divina também  porque, além de encerrar em si a soma de conceitos filosóficos e morais que constituem a base da vida cristã, a Comédia possui páginas de elevadíssima qualidade poética, entre as mais belas da poesia mundial. 
                Antes de Dante, outros escritores haviam tratado semelhante argumento (recordemos, por exemplo, a descrição do Averso, na Eneida de Virgílio e, na Idade Média, as obras de Giacomino da Verona e de Bonvesin de la Riva) e naqueles autores Dante, naturalmente, se inspirou, superando-os, todavia, pela vastidão e complexidade de sua criação. Com os escritores medievais, acima de tudo, ele teve, em comum,a finalidade de instruir os leitores e dar-lhes ensinamentos morais; por essa razão, dada a profunda cultura de Dante que, embora fazendo obra de poesia, jamais esqueceu os estudos a que se dedicara por tantos anos, a Divina Comédia encerra em si páginas de dificílima compreensão, para quem não conheça a História  da Antiguidade e da Idade Média, além do pensamento dos filósofos e dos teólogos que viveram antes e durante o tempo de Dante. E disso derivou surgir uma enorme multidão de curiosos, de estudiosos, desde os tempos de sua primeira publicação até aos nossos dias;  todos eles empenhadíssimos em explicar e comentar o poema. 
               Iniciada em 1307, ou talvez em 1310, depois da queda de Arrigo VII, a Divina Comédia foi, a princípio, concebida pelo poeta em proporções mais modestas; ampliada, a seguir, com acréscimo de novos episódios, ela se nos apresenta como uma das obras mais vastas que jamais foram escritas em versos; subdividida em três partes (Inferno, Purgatório e Paraíso), cada uma com 33 cantos e cerca de 150 versos, em terceira rima, de tercetos concatenados, mais um canto de prelúdio, dedicado ao inferno, o poema é, todavia, unitário, raramente revela prolixidade, e, em todas as partes, demonstra um cuidado minucioso de parte de seu autor. 
                Em conjunto, o Poema compreende 100 cantos, o quadrado de 10, número perfeito, segundo Dante. Os 100 cantos têm 14.233 versos, a saber: o Inferno - 4.720, o Purgatório - 4755, e, o Paraíso - 4758. 
                Imaginando que sua viagem teve início na primavera do ano de 1300 (naquele ano ocorreu o Jubileu e, ao escolher aquela data, compreende-se que o Poeta quis dar a entender haver sido tocado pela Graça Divina), narra Dante que, encontrando-se numa selva escura e ao ver-se atacado por uma pantera (ou onça), por um leão e uma leoa, apareceu-lhe inesperadamente Vigílio, o qual, oferendo-se-lhe como guia, convence-o a acompanhá-lo através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso Terrestre, onde lhe virá ao encontro Beatriz, para conduzi-lo à presença de Deus.  Somente assim poderá o Poeta salvar-se das insídias da selva (que simboliza os erros em que Dante incorrera em sua mocidade), e, sobretudo, conseguirá fugir das feras, as quais não são outra coisa senão os símbolos dos três pecados que mais afligem o homem: a avareza, a luxúria e a soberbia. 
                 E começa, assim, a grande aventura. O Inferno, segundo a concepção dantesca, abre-se qual uma voragem, até ao centro da terra. Rios de danação, como o Aqueronte, o Flegetone, e o Estige, envolvem-no em suas tempestuosas correntes, muralhas altíssimas, vales pedregosos, rochedos intransponíveis, separam um do outro os nove "círculos", verdadeiros giros, que se propendem para o abismo, no qual as almas penadas, os danados, pagam seus pecados, enquanto miríades de demônios e de criaturas monstruosas, que Dante muitas vezes vai buscar na mitologia pagã, circulando  pelas espessas trevas que recobrem seu reinado pavoroso, fazem com que os pecadores não tenham, por um átomo sequer, qualquer repouso. Mimos, o antigo rei de Creta, célebre pelo seu legendário senso de justiça, é o guardião geral do Inferno, e Dante , com severo julgamento, imagina que ele deva ter distribuído as penalidades segundo a lei do "contrapasso" ou de "Talião". 
               Acrescenta, outrossim, grande dramaticidade à visão dantesca o fato de que o Poeta não titubeia em situar, entre os danados, personagens conhecidos, mortos naqueles anos ou célebres na antiguidade, cuja evocação imprime um tom fortemente realístico à fantástica descrição do Inferno. Primeiro, entre todos, Dante descreve os indolentes, fracos e egoístas, que ele coloca no anti-inferno, como seres arrastados por um vento turbilhonante, sempre perseguindo um ponto e jamais alcançado, para que eles se recordem da inconstância e da incerteza de opiniões demonstradas outrora.  Seguem-se os pagãos e os não batizados, que, não tendo conhecido a palavra de Cristo, não merecem gozar a suprema ventura de visão de Deus, mas nem a dor de sofrer qualquer punição infernal.  E Dante, atendo-se à mais legítima tradição evangélica, situa-os no Limbo, um lugar aprazível, em contraste com a paisagem que o circunda, mas do qual a visão paradisíaca está excluída. 
                Atormentada e desesperada, desfila ante os olhos de Dante e Virgílio a longa legião dos condenados que enlanguescem nos nove círculos infernais: primeiro, os luxuriosos, arrastados no segundo círculo por um vendaval que lhes recorda a vida perturbada pelas paixões que os dominavam; depois os glutões, no terceiro círculo, mergulhados na lama e obrigados a experimentar-lhe o nauseabundo sabor, como lembrança dos apetitosos pratos, sempre cobiçados, durante sua vida; os avaros e os pródigos, no quarto círculo, são, ao invés, imaginados por Dante carregando enormes blocos de pedra, para que se lembrem de que, em outros tempos, demasiado os primeiros e bem pouco os segundos, amarram os bens terrenos, pois fizeram mau uso deles. Finalmente o Poeta e seu guia, embora as fúrias infernais tentem impedir-lhes o acesso, entram na cidade de Dite, onde são castigados os pecados mais graves. Aqui, Dante pôs os hereges (isto é, aqueles que se afastaram dos retos ensinamentos doutrinários da "igreja") e os condena a ficarem enterrados vivos, em sepulcros chamejantes. 
                Entre os hereges, surgindo das sepulturas, aparece a Dante um "condottiere" gibelino, o soberbo Farinata degli Uberti, e Cavalcante dei Cavalcanti,  pai daquele Guido  dei Cavalcanti, que foi amigo de Dante e seu companheiro de poesia. No primeiro giro do sétimo círculo, pelo Minotauro, são castigados aqueles que exerceram violência contra o próximo (entre os quais Dante  põe os tiranos da antiguidade e alguns bandidos e tiranetes da Idade Média), que, vigiados incessantemente pelos centauros, estão mergulhados num rio de sangue fervente. No segundo giro do sétimo círculo, uma horrível visão espera o Poeta:  aqui, realmente, são punidos os suicidas, que, por haverem desprezado a vida, o sublime dom do Senhor, foram transformados em árvores e em arbustos, (justa condenação para quem, como eles, não souberam enfrentar todas as responsabilidades inerentes ao ser humano).  No oitavo círculo, dividido em dez bolgie, são punidos em dez diferentes maneiras os fraudulentos; e, entre estes, os sedutores, os aduladores, os simoníacos, os adivinhos, os trapaceiros, os hipócritas, os maus conselheiros. Entre estes últimos, encerrados numa pequena chama bifurcada, estão Ulisses e Diomedes  que,  como todos sabem, sugeriram a tomada de Troia mediante um ardil. 
              Numerosos são os episódios que enriquecem os últimos cantos do Inferno, porque, mais nos avizinhamos do centro da terra, onde Lúcifer, o rei das trevas, pontifica num mar de gelo, que é a eterna condenação para os traidores, e, mais os pecados que se castigam são graves, mais as penas são impiedosas, mais fantástica e sugestiva se torna a descrição de Dante.
                Saídos, por uma fresta, do Inferno, os dois poetas encontram-se no hemisfério oposto àquele por onde Dante entrara; a porta do Inferno se encontrava, na verdade, nas proximidades de Jerusalém, no hemisfério boreal, e agora, voltando novamente para a luz, ambos estão na praia de uma ilha desconhecida, situada no hemisfério austral, num ponto indeterminado do oceano. A hora matutina, o ar tépido, o encanto da natureza, tudo faz prever uma viagem bem mais serena do que aquela que eles haviam concluído pouco antes. No Purgatório, de fato, onde reina a certeza de poder um dia subir à presença de Deus, tudo é alegria e serenidade, e já dos primeiros cantos, que descrevem o encontro com o nobre ancião que vigia o local, Catão, além da chegada de um grupo de almas penitentes, sobre um barco guiado por um anjo, temos a intuição de que, no Purgatório, se ainda penas existem, elas devem ser bem mais brandas, despidas da crueldade verificada no Inferno. No ante-purgatório, à espera de poder, finalmente, ascender ao Purgatório, para pagar seus próprios pecados, Dante encontra o bando dos excomungados e dos negligentes nas práticas pias; entre eles, o Poeta escolhe, para conversar, Manfredi e Sordello da Goito, poetas lombardo, conhecido pelas suas poéticas invectivas contra os pusilânimes príncipes italianos. 
               Em seguida , na valeta dos príncipes, também situada no ante-purgatório, Dante avista outro personagem seu conhecido: Corrado Malaspina, pertencente a nobre família em cujo lar o Poeta estivera muitas vezes, e compreende-se como o Florentino, tecendo-lhe elogios, tenha desejado demonstrar sua gratidão pela generosidade de seus anfitriões de outrora.
                Apresentando-se as sete cornijas sobre os quais as almas purgam seus pecados, Dante, reconhecendo humildemente ser um pegador e culpado de grandes  e pequenas negligências, propõe a si mesmo a viagem com espírito de penitência, e, por esse motivo, conta que um anjo lhe imprime na testa sete P, para significar os pecados de que se manchou. À saída de cada cornija, um anjo apagará um desses sinais, de modo que, ao fim da viagem, o Poeta poderá considerar-se,finalmente, lavado de toda culpa. Os castigos são igualmente escolhidos segundo a lei de Talião, mas a eles se acrescentam uma pena particular, que bem revela o quanto Dante houvesse não só assimilados os livros evangélicos, mas também o quanto amasse a escultura e a pintura; em cada círculo, realmente, encontramos esculpidos na rocha exemplos extraídos do Antigo e Novo Testamento que ilustram as virtudes opostas aos pecados que se pagam naquele recinto. E de novo desfilam diante dos olhos dos dois poetas as teorias dos penitentes; na primeira cornija, os soberbos grimpam o hirto declive, sob o peso de enormes pedras; na segunda, os invejosos jazem de pálpebras costuradas; na terceira, os iracundos se debatem num nevoeiro de fumaça (e aqui Dante situa o poeta Marco Lombardo, com o qual fala de discórdias e erros verificados entre os príncipes e a Igreja); no  IV degrau, os preguiçosos correm sem cessar, lembrando-se reciprocamente os episódios evangélicos nos quais se exalta a solicitude e castiga-se a preguiça; na V, os avaros jazem de bruços; na VI, os glutões padecem fome (entre estes o florentino Forese Donati, amigo de Dante); na VII, os luxuriosos caminham no fogo (entre ele o poeta bolonhês Guido Guinizelli). Depois finalmente, Dante se encontra no Paraíso Terrestre, no qual encontra a suave e meiga figura feminil de Matelda. 
              É chegado para Virgílio o momento de deixá-lo, porque, sendo poeta pagão, ele deve retornar ao Limbo, mas outra criatura, Beatriz, vai ao encontro do Poeta, na primaveril paisagem do Paraíso Terrestre e, radiante de luz divina, pega-lhe a mão. 
              Com ela, o Poeta ascende os nove céus subjacentes ao Empíreo; começa para Dante a derradeira viagem, aquela que atravessa o Paraíso. O Poeta, com raríssima perícia, consegue dar vasão a seus primorosos versos até descrever-nos maravilhosas paisagens, climas e cores de um mundo ultra-terreno. É, esta, a parte do poema, que, dado o argumento, talvez melhor põe em realce a qualidade poética de Dante;  a outra parte, sendo muito rica de temas teológicos e filosóficos, é também aquela de mais difícil compreensão. Imaginando-se tocado pela Graça Divina, e, por isso, em condições de compreender verdades que aos homens obliterados pelo pecado não é facultado conhecer, Dante dirige inúmeras perguntas a Beatriz e aos Bem-aventurados que ele vai encontrando nos nove Céus; deles, sempre, recebe doutas respostas, completamente em acordo com os principais fundamentos teológicos. Beatriz explica-lhe o princípio que preside a ordem do Universo, feito por Deus para que todas as coisas criadas cumpram sua finalidade, a teoria do livre arbítrio e as questões relativas ao voto. 
             

                Finalmente, no Paraíso - Canto XVI - céu de Marte -, Dante acompanhado de Beatriz encontra-se com Cacciaguida, trisavó do Poeta. No céu de Saturno - Canto XXI - Dante vê uma escadaria luminosíssima, pela qual sobem e descem cortes de almas resplandescentes. No Canto XXXI - Dante chega ao Empíreo, em companhia de São Bernardo, seu último guia, onde avista uma cândida rosa formada pelos Bem-aventurados e, entre estes, lhe aparece a luminosa visão da Virgem Maria; a paisagem torna-se sempre mais fulgurante de claridade e as almas bailando, as côrtes dos anjos, os cânticos que ressoam cada vez mais suavemente, advertem a Dante de que chegara o momento tão almejado;  o Empíreo, entre jorros de luz,  onde palpitam quais chispas maravilhosas, os anjos; depois, bem acima dele, a fulgurante luz, em forma de três círculos de fogo, a Santíssima Trindade. Aqui termina o poema. Iniciado com a descrição de um mundo tenebroso, imerso no pecado, ele culmina com a visão de Deus, Rei da Luz. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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OBSERVAÇÕES FINAIS: 
               Nunca, poeta algum, com exceção de Dante, conseguiu abraçar, com sua fantasia, um mundo tão vasto, e tornar-se, assim, o expressivo poeta do pecado e admirável cantor da  Graça Divina. 
                 Dante viveu entre 1265 e 1321, portanto, em plena Idade Média. É uma época conturbada onde, em Florença, brigava-se facilmente; mal eram expulsos os chefes de uma fação política de bandidos, os adversários lhes desmantelavam as casas - (como acontece hoje em muitas comunidades de baixa renda); quanto à burguesia, que nesta época era constituída principalmente por banqueiros e comerciantes, não pensava em combater e mudar a situação, mas apenas ganhar e acumular dinheiro - (isso continua ocorrendo em nossos dias); as residências e lojas dos ricos eram protegidas com torres e muros de segurança - (nos nossos dias, surgiram os condomínios fechados; verdadeiras fortalezas contra a bandidagem). 
                 Nos longos anos de exílio, poucos dos nobres que acolheram Dante deram valor a seu trabalho poético. Um desses homens foi Guido Novello da Polenta, em cujo palácio em Ravena, o poeta concluiu a obra que as gerações seguintes consagrariam como uma das maiores peças literárias de todos os tempos: a "Comédia". 
                 Dante era um estudioso de teologia e seu trabalho mostra sua fidelidade ao criacionismo e crença nos Evangelhos,  onde foi buscar sua inspiração. Viveu numa época em que a ciência ainda não pensava no Big-Bang e a filosofia tinha uma visão restrita e não conhecia a metafísica.   
Nicéas Romeo Zanchett 
             

sábado, 4 de maio de 2013

A IMORTALIDADE DA ALMA

A IMORTALIDADE DA ALMA 
                     O homem é o palco de duas categorias de fenômenos diferentes: a material, que se pode medir quantitativamente com o seu funcionamento fisiológico - alimentação, digestão, circulação sanguínea, etc.: a espiritual, com outros qualitativos, perceptíveis somente à consciência, como a alegria, o pensamento, o remorso, a volição. De forma que temos que admitir  que o homem é composto de duas substâncias incompletas, essencialmente ordenadas uma para a outra, mas distintas. A primeira é extensa, divisível e palpável, substrato dos fenômenos fisiológicos, o corpo; a segunda é simples, mas perceptível unicamente pela consciência, a alma. 
                     O corpo é múltiplo, isto é, composto e, por conseguinte, divisível; renova-se sem cessar; é material. 
                     A alma é essencialmente una, e portanto simples; é sempre idêntica a si mesma; é espiritual porque existe independentemente da matéria e das condições da matéria no ser e no operar. 
                     Apesar da alma estar substancialmente unida ao corpo, e depender do concurso direto do organismo para suas operações sensitivas; e apesar das faculdades superiores necessitarem das faculdades sensitivas, e por conseguinte, suportarem também certa influência direta dos órgãos - que são materiais - é intrinsecamente independente do corpo nas funções intelectuais, porque ela pensa e tem seu próprio querer sem auxílio dos órgãos. Portanto, a alma não está completamente imersa na matéria, que é independente dela  sob diversos aspectos, e que por conseguinte é verdadeiramente espiritual. 
                     A consciência atesta-nos que nos meios dos múltiplos fenômenos que experimentamos, o sujeito "Eu", que as experimenta ou as produz, não desaparece com ela para ceder lugar a outro; diferentemente da matéria, a alma sobrevive aos seus atos e às suas modificações. O "Eu" permanece idêntico em todos os momentos de sua duração; hoje é o mesmo que era ontem e assim será amanhã. É a alma que nos permite recordarmos do passado que muitas vezes nem imaginamos ter vivido. 
                     Todo o nosso organismo está em permanente renovação. No passado se julgava que essa renovação se dava ao longo de sete anos. As experiências do pesquisador Flourens provaram que a renovação do corpo era obra de alguns meses; pensava-se que era parcial, hoje sabe-se que é integral; sabemos também que nenhuma parte, superficial ou profunda, mole ou resistente do organismo escapa a essa renovação. 
                     O nosso sentimento de responsabilidade é também uma prova de identidade da alma. Sentimo-nos responsáveis, temos remorsos e arrependimentos duma má ação cometida a templos atrás.  Ora, só nos sentimos responsáveis ou arrependidos pelo mal cometido por nós mesmos e nunca pelos males feitos pelos outros. E isto é prova de que o "Eu" - alma - permanece idêntico a si mesmo. 
                     Todo o homem só tem uma alma; é ela que pensa e quer. Pela mesma razão e do mesmo modo imediato, a consciência percebe todos os fenômenos psicológicos, e atribui-os ao mesmo "Eu"; é por essa razão que dizemos: o meu pensamento, a minha dor, o meu sentimento, a minha decisão. Portanto a nossa alma forma ideias e a ideia é imaterial. Da mesma maneira, a inteligência, faculdade do pensamento, deve ser imaterial, porque é a alma que opera pela inteligência e, assim sendo, é imaterial pela mesma razão. 
                      A lei fundamental da matéria é o determinismo; é absolutamente indiferente para o repouso ou movimento. A alma, ao contrário, é livre e tem faculdade de se mover a si mesma, de querer operar ou não operar, de resistir ou ceder aos impulsos da sensibilidade ou das ideias; não está submetida às leis da matéria como o corpo, e sobre este aspecto é também evidentemente espiritual. 
                      O espírito não é matéria em via de progresso como pretende o materialismo; a matéria, por sua vez, não é espírito apagado ou inteligência adormecida, como afirma o espiritualismo monístico; os seus atributos, por serem contraditoriamente opostos, formam, por assim dizer, os dois polos do ser humano, e nenhuma evolução seria capaz de preencher o abismo que as separa. O espiritualismo dualista admite, com razão, duas substâncias incompletas irredutivelmente distintas, embora intimamente unidas, no ser humano. 
                      Podemos dizer que a alma, pelo fato de ser simples, idêntica e espiritual, é necessariamente distinta do corpo, que é composto mutável e material. De forma que podemos concluir que a alma é imortal e, diferentemente da matéria, é intransferível. 
                     A imortalidade consiste na sobrevivência substancial e pessoal do "Eu", na identidade permanente da consciência idêntica, isto é, da alma que conserva as suas faculdades de conhecer e amar, sem as quais não há felicidade humana. 
                    O corpo, que se compõe de elementos heterogêneos, desintegra-se e dissolve-se naturalmente tão logo que se separa do seu espírito de unidade, da sua forma substancial que é a alma. Já a alma, ao contrário, sendo metafisicamente simples e espiritual, não pode decompor-se nem desintegrar-se como acontece com o corpo que é matéria numa determinada forma de composição - no caso o corpo humano. 
                    Em relação à questão moral é fácil observar que neste mundo nem a natureza, nem a sociedade, nem a própria consciência, que é o juiz de cada um, dispõe de sanções suficientes para recompensar plenamente a virtude ou punir adequadamente o vício; é, pois, necessário que haja outra vida, onde a justiça seja plenamente satisfeita e a ordem definitivamente restabelecida. 
                   A ganância das pessoas leva-as a aspirar os bens limitados da terra. Já os sábios aspiram um objeto infinito, uma verdade, beleza e bondades absolutas, cuja posse permite ser perfeitamente felizes. Por mais progressos que façam no conhecimento da verdade, no amor da beleza, na prática do bem, nunca se sentem plenamente satisfeitos. Quanto mais progridem tanto mais se acendem os seus desejos, mais aumentam suas exigências; isto prova que nossas faculdades superiores possuem capacidade ilimitada que não se pode satisfazer completamente fora deste bem infinito, que não é outro senão o mesmo Deus  Cósmico Universal, do qual cada um de nós é uma pequena parte.
                  Se há um Deus sábio e justo deve haver outra vida onde se restabeleça o equilíbrio entre o que queremos e o que podemos, uma vida onde sejamos perfeitamente felizes.  Um Deus sábio e justo não exige rituais e recompensas, nem impõe violentamente a sua criatura para um fim que jamais poderemos alcançar.  
                  Nossa vida na terra é um sopro passageiro. Não podemos gozar plenamente dos bens materiais que possuímos se a cada momento receamos perdê-los; esta incerteza é tão mais pungente quanto mais precioso é o bem possuído. A duração ilimitada é evidentemente que constitui o elemento  essencial da felicidade completa e, portanto, não está aqui. Está além da vida. .
Nicéas Romeo Zanchett