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domingo, 5 de dezembro de 2021

COSMO, CIÊNCIA E SUPERSTIÇÃO

 


            Não considero estranho que, em princípio, o tempo tenha sido considerado uma divindade, inclusive uma manifestação da divindade suprema, da qual a vida flui como um rio. A mente do homem primitivo estabelecia  menos distinções do que a nossa entre fatos exteriores e interiores, materiais e psíquicos. A vida era uma torrente de experiências interiores e exteriores que, a qualquer momento, produzia um conjunto diferente de acontecimentos coexistentes e que, por conseguinte, mudava sem cessar, tanto quantitativa, como qualitativamente.
              Da perspectiva original da humanidade, ideia difundida pelas mais diversas organizações religiosas,  o tempo era a vida e seu mistério era divino.
            Para o cristianismo, o tempo tem princípio e fim. Apresenta Deus criando as esferas planetárias e o firmamento. Todo o universo é redondo à imagem e semelhança de Deus, que é uma esfera cuja circunferência  está em lugar nenhum e cujo centro se encontra em toda a parte. O tempo apenas tomou existência a partir da criação dos corpos luminosos e a mão de Deus passou a intervir constantemente em seus movimentos. Graças a seus milagres e à sua providência, Deus põe em movimento um tempo histórico irreversível. Segundo esta perspectiva, o tempo apresenta um começo e um fim definidos. Segundo esse pensamento, o tempo se apresenta como uma sequência linear de acontecimentos através dos quais o propósito de Deus avança sem cessar até à meta. O fim é o juízo final. Depois, em "Apocalipse, 20:12,13" Deus criará um novo céu e uma nova terra, na qual situa a cidade santa de Jerusalém, onde não haverá mais morte nem noite, apenas a luz eterna.  
              No antigo Egito, o deus solar Rá era o senhor do tempo, porque fixava as medidas quando percorria o firmamento superior e o inferior com sua barca. Hora após hora, adotava a forma de uma divindade animal diferente. Desta maneira, o tempo adquire qualidades mutáveis e torna-se visível numa infinita e circular "procissão dos arquétipos".
              No Ocidente, o tempo é representado em forma de serpente e, no Oriente, como um dragão. No Novo Mundo, simbolizava-se com a serpente de duas cabeças, , uma das quais representando a vida e a outra, a morte. Enquanto na China o jogo dos opostos era considerado harmonioso, a concepção da dupla serpente mexicana é mais trágica, pois as cabeças olham em direções opostas. O tempo traz prazer, sorte e vida, mas também desdita e morte e considera que o mundo temporal chegará a um final inevitável e catastrófico. 
        A verdadeira pesquisa astronômica só teria início no século V a.C., quando os gregos começaram a especular  sobre a natureza do cosmo. Contudo, aproximadamente 40 séculos antes de Cristo, nas planícies  da Mesopotâmia, entre o Tigre e o Eufrates, viviam os caldeus, cuja civilização em seguida ampliou-se bastante. Sua história é frequentemente confundida com a dos babilônicos dos quais eles foram, com os assírios, às vezes aliados, às vezes inimigos. De qualquer forma, sua habilidade para interpretar a marcha dos corpos celestes ficou célebre e chegou até nós graças a numerosas tábuas de argila, assírio-babilônicas, fonte preciosa para conhecer a história dessas populações. Nelas puderam ser decifrados cálculos e anotações sobre o movimento dos planetas durante  vários séculos. 
           Os astrônomos assírio-babilônicos, a partir dos trabalhos dos caldeus e dos sumérios, obtiveram resultados notáveis sobre certos pontos: conheciam as fases da Lua e podiam predizer os eclipses. Eles haviam analisado o movimento  dos planetas através das constelações  do zodíaco e sabiam determinar suas fases, sua aparição e seu desaparecimento, os solstícios, os equinócios, os ciclos do Sol e da Lua.
             Os mais antigos registros astronômicos que chegaram até nós são os astrolábios. Trata-se de tábuas que traziam três círculos concêntricos divididos em 12 seções. Em cada um dos 36 setores assim obtidos estavam inscritos o nome de uma constelação e um número característico. Estes números deviam indicar o mês correspondente do calendário esquemático de 12 meses. Obtém-se assim uma espécie de carta celeste, um calendário astronômico de tipo lunissolar, fundamentado sobre o mês  lunar. 
              Já nesta época, os babilônios, como os ameríndios, tinham também os dias chamados  "nefastos", que excluíam certas atividades e impunham por outro lado ritos religiosos particulares.  Eles caíam nos dias 7, 14, 21 e 28 de cada mês, daí uma espécie de divisão hebdomadária (semanal). O dia se dividia  em 12 classes horárias chamadas kaspu
              Posteriormente a Alexandre, o Grande, os babilônios utilizaram o arco  de um grau como unidade de medida do espaço, e o "grau do tempo", isto é, quatro minutos, como unidade  de tempo. 

             Na China clássica, o dragão simbolizava a força criativa e dinâmica  do universo, o princípio masculino yang que atua no mundo do invisível e que tem seu campo no espírito e no tempo (enquanto o feminino yin influencia a matéria e o espaço). Portanto yang cria o princípio e yin a realização. No centro, aparece a pérola primordial  dos inícios, da qual emanam todas as coisas. O significado do tempo está no fato de, no seu interior, as fases de crescimento terem início de maneira clara. O céu (ou yang) mostra um movimento poderoso e incessante  que, pela sua própria natureza, faz com que tudo aconteça num único tempo sincrônico, de uma perspectiva divina, é o destino. Aqui estou dando este exemplo para que o leitor perceba que a observação do cosmo sempre foi universal. O Deus eterno está no cosmo, de onde viemos e para onde voltaremos. Desse Deus eterno emana  a vida, o "fluir da graça" que cria o agora onipresente, de modo que Deus é simultaneamente, quietude e fluir perpétuo. 

              Em certa medida, todas as estruturas incompletas são instáveis e tendem a se completar ou a se desintegrar. Portanto, a vida é como a difusão de um padrão à medida que vibra. Poder-se-ia interpretar  que tal "difusão" baseia-se na "similitude". Apenas a mente humana pode ver seu significado e experimentar conscientemente a unidade de "mente e matéria". 
             Podemos comparar o tempo com uma roda que gira: nosso tempo correspondente, que conhecemos com nossa consciência do Eu, seria o anel exterior, que gira mais rápido do que os demais. O seguinte representaria o tempo "eônico" (eternidade cósmica), que se move progressivamente com mais lentidão à medida que se aproxima do centro. Esse tempo eônico é representado pela ideia do ano platônico ou pelas eras ou sois astecas e dura infinitamente mais do que o nosso tempo corrente. 
           Nos nossos dias os estudo tem avançado de forma vertiginosa. No âmbito da astrofísica, encontramos admiráveis aspectos do tempo. Por exemplo, podemos olhar para trás no tempo e ver a luz de estrelas que há muito desapareceram. O universo está em constante movimento e as nuvens rotativas de hidrogênio se contraem e formam estrelas que continuam girando e que jogam matéria para o espaço. Ao final de dois milhões de anos, quando estiver quase consumido todo o combustível, a estrela se expande e volta a se contrair para o "derrubamento gravitacional definitivo". Este derrubamento pode se tornar um "buraco negro", no qual nada fica de observável, nem sequer o tempo. Ainda se discute  se o universo tem princípio e fim, se se move em ciclos de expansão e de derrubamento ou se se mantém em estado constante no qual a matéria se cria permanentemente. 
                 
               Voltando aos antigos babilônicos, é importante ressaltar que por volta de 747 a.C. o Rei Nabonassar subiu ao trono da Babilônia e reinou de 747 a 734 a.C. Foi o princípio de uma nova era astronômica para o cálculo do tempo  que devia durar até a reforma juliana do calendário. 
           A partir desta época, as observações astronômica foram mais sistemáticas e menos ligadas à astrologia. Estudou-se matematicamente os movimentos  dos planetas, o nascimento helíaco das estrelas, a marcha do Sol em torno da Terra, a divisão da eclíptica em 12 signos zodiacais e fixou-se a data dos solstícios e dos equinócios. Notaram-se as datas de aparição dos cometas, astros portadores de acontecimentos excepcionais, como as chuvas de estrelas cadentes. 
             Graças aos astrônomos babilônicos deste período, conhecemos também a data do primeiro eclipse de Sol estudado, que remonta a 19 de março do ano  721 a.C., e a dos eclipses seguintes. 
              A "Torre de Babel", erigida por Nabucodonosor (604 a.C.) pode ser considerada  como uma aplicação de conhecimentos astronômicos. O edifício de sete andares era sem dúvida dedicado ao Sol, à Lua e aos cinco planetas; ou melhor, segundo Schiaparelli, era uma representação da Terra habitada, das quatro regiões correspondentes aos quatro pontos cardeais, do reino dos mortos e do céu, como parece indicar o qualificativo: "templo dos sete compartimentos do céu e da terra". 
              Em resumo, os astrônomos caldeus e assírio-babilônicos foram os primeiros  a efetuar estudos importantes com métodos fundamentados em observações  científicas muito cuidadoras dos fenômenos celestes. 
Somente a cultura pode libertar os homens das superstições escravizantes. 
A vida de um homem só adquire sentido quando ele consegue deixar algum legado cultural (não material) para a humanidade. 
Sem esquecer os inúmeros homens que contribuíram para o nosso progresso, cito apenas três, como exemplo: Leonardo Da Vinci,  Albert Einstein e Darvin. 
        
Nicéas Romeo Zanchett 
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terça-feira, 2 de novembro de 2021

O ESPÍRITO DAS LEIS de Montesquieu - Nicéas Romeo Zanchett

 


Um breve histórico sobre Montesquieu e sua obra
             Desde longa data que Montesquieu traçara o esboço dessa obra, pensara durante vinte anos na sua execução; ou melhor dizendo, toda sua vida fora dedicada na constante meditação desse trabalho. 
             Entretanto, tornara-se dessa forma um estrangeiro dentro do seu próprio país. Percorreu toda a Europa e estudou profundamente  os diferentes povos que a habitavam na quela época. 
            A famosa ilha, que tanto se gloria das suas leis, e que as aproveita tão mal, foi para ele nessa longa viagem o que a ilha de Creta foi outrora para Licurgo, uma escola onde soube instruir-se, sem dela tudo aprovar; emfim ele, - se assim se pode dizer, - interrogou e m julgou as nações e os homens célebres que hoje já nem existem senão nos anais do mundo. E foi dessa forma que subiu todos os degraus, até chegar à posse do mais belo título que um sábio pode merecer, o de Legislador das Nações. 
            Ao longo do seu exaustivo trabalho, abandonou e retomou repetidas vezes sua obra. Muitas vezes, ele próprio confessou, fraquejou a mão que havia de escrevê-la. Por fim, animado pelos seus amigos, reuniu forças  e deu-nos o das Leis.
             Nessa importante obra, o senhor de Montesquieu, sem se preocupar com as discussões metafísicas relativas ao homem, sob um ponto de vista abstrato, sem se restringir a considerar certos povos nalgumas relações ou circunstâncias especiais, observa os habitantes do universo na situação real  em que ele se encontram, e sem todas as relações que possam ter entre si. 
             A maior parte dos escritores do seu gênero são quase sempre, ou simples moralistas, ou apenas jurisconsultos, ou mesmo, algumas vezes, simples teólogos; ele, homem de todos os países e de todas as nações, ocupa-se menos daquilo que o dever de nós exige, do que dos meios pelos quais nos podem abrigar a satisfazê-lo, menos de perfeição metafísica das leis, que daquela de que a natureza humana as torna susceptíveis; menos das leis promulgadas que daquelas que se deviam ter promulgado; menos das leis dum povo em particular, que das de todos os povos. Assim, comparando-se a si aqueles que percorreram antes dele essa grande e nobre carreira, podia dizer como Corregio, quando viu as obras dos seus rivais: "Também eu sou pintor!" Talvez o famoso pintor, instintivamente, não quisesse sentir-se inferior diante de tanta grandeza. 
             Seguro e compenetrado do assunto, o autor do Espírito das Leis abraça um tão grande número de materiais, e trata-as, ao mesmo tempo, com tanta concisão e conhecimento, que só uma leitura assídua e meditada pode fazer sentir o mérito desse livro. Ele servirá sobretudo para fazer desaparecer o pretenso defeito de método de que  alguns leitores acusaram o senhor de Montesquieu; superioridade que eles não deveriam acusá-lo ligeiramente de ter desdenhado em matéria filosófica e numa obra de vinte anos. Fiel às suas seções gerais, o autor reúne em cada uma os assuntos que lhe pertencem exclusivamente; e em relação àqueles que por diversos ramos pertencem a muitas seções ao mesmo tempo, ele colocou em cada seção o assunto que propriamente lhe compete; e assim se compreende facilmente e relação que as diferentes partes do assunto tem umas sobre as outras. 
            Com tudo isso, o senhor Montesquieu é para nós, pelo seu estudo das leis, o que Descartes foi para a filosofia; muitas vezes nos esclarece e em outras engana-se, mas, mesmo enganando-se instrui os que sabem ler.
           O amor pelo bem público, o desejo de ver todos os homens  felizes, vê-se ali bem claro; e não tivesse o livro senão esse mérito tão raro e tão precioso, por ele só seria digno da leitura dos povos de todos os países. Ainda que o grande pensador pouco tivesse sobrevivido à publicação do seu grande trabalho, ele teve a satisfação de entrever os efeitos que o livro começou a produzir entre as populações, da época e de hoje. O amor natural dos franceses, povo de essência culta, pela sua pátria, voltado para seu verdadeiro objeto; este gosto pelo comércio, pela agricultura e pelas artes e ciência, que se espalhou sensivelmente pelo país. O modo do povo ver os princípios da governança, que une mais os povos ao que eles devem amar. Mesmo aqueles que, por razões obscuras, atacaram essa obra, devem-lhe mais do que imaginam. 
            Tão logo apareceu o Espírito das Leis, foi muito procurado pela própria reputação do autor; mas embora o Sr  de Montesquieu tivesse escrito para o bem do povo, não devia ter o povo por juiz; a profundeza do assunto era uma consequência da sua importância. Entretanto, boatos espalhados sobre a obra, persuadiram  muitas pessoas de fora escrita para elas. O autor já era muito conhecido e, por isso, esperava-se um livro agradável, e encontrava-se um livro útil, do qual não se podia, sem alguma atenção, aprender o conjunto e os detalhes de importância universal. O próprio título, "Espirito das Leis" foi objeto de gracejos; emfim, um dos mais belos monumentos da literatura que saíram da França foi olhado pelo povo com demasiada indiferença. Mas, em se tratando de um povo bastante culto, logo os verdadeiros juízes, que tiveram tempo para ler a obra, fizeram virar a multidão, sempre pronta a mudar de opinião. A parte do público que ensinava ditou à parte que escutava o que ela devia pensar e dizer. Pouco a pouco, a opinião dos homens esclarecidos junta-se aos ecos que repetem as suas palavras e, assim, formou-se uma só voz em toda a Europa. 
           Como não podia deixar de ser, os inimigos públicos e secretos das letras e da filosofia, que sempre existe entre os inescrupulosos da política e da justiça, reuniram suas forças contra a obra. Muitas obras contrárias às sábias palavras do Sr. de Montesquieu,  foram lançadas para combatê-la. A luta dos imprudentes foi tão grande que parecia ter sido uma obra feita por bárbaros.   Felizmente, a sabedoria do povo europeu soube livrar-se desse entulhos contra as verdades ditas na obra. 
            O Senhor de Montesquieu desprezou essas críticas de autores sem talento que, pela inveja ou para satisfazer a má vontade do público que ama a sátira, logo entraram para o rol dos esquecidos. Não julgou o propósito e nem perdeu seu precioso tempo a combatê-los; contentou-se em dar um exemplo de humildade e compreensão. Foi acusado de Espinosismo (seguidor de Espinosa) e de Deísmo (imputações incompatíveis). Também foi acusado de haver seguido o sistema de Pope (do qual não havia uma só palavra em sua obra); de ter citado Plutarco, um escritor cristão; de não ter falado nada sobre o pecado original e da graça. 
            Naquela época a Igreja era a instituição mais poderosa e, portanto, foi provocada a dar sua opinião. Mas, apesar de que se tenha ocupado do assunto desde há muitos anos, ainda hoje, não se pronunciou a tal respeito; e mesmo que tivessem escapado ao Sr. Montesquieu qualquer ligeiras inadvertências, quase inevitáveis numa tão vasta matéria, a longa e escrupulosa atenção que ela demandou, nunca foi contestada pela corporação eclesiástica, que sempre foi prudente. Conhece ela os limites da razão e da fé; sabe que a obra de um homem de letras não deve ser apreciada  como a de um teólogo. Em seu meio, apesar destas acusações injustas, o Sr. de Montesquieu sempre foi estimado, procurado  e acolhido por tudo o que a Igreja possui de mais respeitável e superior. De forma que sempre foi conservado entre  as pessoas de bem  e nunca foi visto um escritor perigoso. 
            Enquanto alguns franceses o atormentavam em seu país, a Inglaterra erguia um monumento à sua glória. Em 1752, o Sr. Dassier, celebre pelos medalhões que cunhou em honra  de muitos homens ilustres, veio de Londres a Paris para fazer sua homenagem ao grande escritor.  Também o pintor Sr. Tour, artista de grande superioridade pelo seu reconhecido talento, deu um novo esplendor à sua paleta, transmitindo à posteridade o retrato do autor do Espírito das Leis. E não o fez pela sua própria glória, mas pela hora de pintá-lo. Mas o Sr. de Montesquieu constantemente e delicadamente às suas constantes solicitações. Já o Sr. Dassier, que a princípio encontrou idênticas dificuldades para por em prática o seu propósito, disse enfim a Montesquieu: "julgais que não há tanto orgulho em recusar aceder ao meu pedido, como em aceitá-lo?" Desarmado por esse gracejo, ele finalmente consentiu. 
                Finalmente, depois de ser tão combatido injustamente, o autor do Espírito das Leis, gozava emfim tranquilamente a sua glória. Infelizmente caiu doente em fevereiro daquele ano. A sua saúde, naturalmente delicada, começava a alterar-se depois de tanto tempo pelo efeito lento e quase infalível dos estudos profundos, pelos aborrecimentos que haviam procurado suscitar-lhe por causa da sua obra; e enfim pelo gênero de vida que fora forçado a seguir em Paris, e que sentia ser-lhe funesto. Mas a solicitude com que se procurava a sua intimidade era demasiado viva para não ser algumas vezes indiscreta; queria-se gozar da sua companhia à custa de sua frágil saúde. Quando a notícia sobre sua saúde chegou ao público tornou-se objeto constante de conversas e inquietação. Sua casa encheu-se de pessoas de todas as classes, que vinham informar-se do seu estado, umas por verdadeiro interesse, outras para se darem aparências. 
             Em 10 de Fevereiro de 1755, com sessenta e seis anos completos, a França e a Europa perderam seu ilustre sábio. Os países estrangeiros apressaram-se  em manifestar os seus sentimentos; a Academia Real das Ciências e das Letras da Prússia, apesar de não estar ali em uso fazer o elogio dos associados estrangeiros, julgou do seu dever prestar-lhe  essa honra, que ainda não dispensara senão ao ilustre João Bernouilli; o Sr. de Maupertuis, embora doente como estava, prestou ele próprio ao seu amigo essa última homenagem, não aceitando fazer-se substituir por outra pessoa  nesse momento tão caro e tão triste. 
           Em 17 de Fevereiro a Academia Francesa dedicou-lhe , segundo o uso, uma sessão solene, apesar do rigor da estação, quase todos os homens de letras pertencentes á corporação, que não estavam ausente de Paris, tomaram como deve assistir. 
              No convívio com todos, indistintamente, o Sr. de Montesquieu era de uma afabilidade e alegria inalteráveis. Sua conversação era leve, simples, agradável e instrutiva pelo grande número de homens e de povos que conhecera. Era lacônica como o seu estilo, cheia de argúcia e de relevo, sem azedume e sem sátira. Sabia ele que a intenção de uma história alegre está sempre no fim; e a ele se apressava em chegar, e produzia o efeito sem ter prometido. 
              As suas frequentes distrações tornavam-se ainda mais interessantes, e saía sempre delas por qualquer dito inesperado, que despertava a conversação adormecida; de resto eles não eram nem zombeteiros, nem chocantes, nem importunos. Originava-os o fogo do seu espírito, a grande número de ideias de que estava em plena posse, mas nunca os fazia cair no meio duma conversação de interesse ou séria. O desejo de agradar àqueles com quem se encontrava o fazia entregar-se a eles sem esforço. 
              Os encantos do seu convívio provinham não somente  do seu espírito, mas da espécie de regime que observava no estudo. Ainda que capaz duma meditação profunda e por longo tempo sustentada, ele não esgotava jamais as suas forças, deixando sempre o trabalho antes de sentir a menor impressão de fadiga. Era sensível à glória, mas não queria obtê-la senão merecendo-a. Jamais procurou aumentar a sua por manobras surdas, por caminhos obscuros e vergonhosos, que desonram a pessoa sem nada juntar ao nome do autor. 
             Embora convivendo com grandes personalidades de sua época, O Sr. de Montesquieu, por decoro ou por prazer, não tinha necessidade disso para ser feliz. Lhe bastava seu pensamento vivaz e criativo. Sempre que possível, fugia com alegrias para seus pensamentos, seus livros, sua filosofia,e seu descanso. Nas horas de ócio, preferia a companhia das pessoas simples do campo. Depois de ter estudado a profundeza do homem no convício do mundo e na história das nações, era na simplicidade da vida e da natureza que buscava novas inspirações. Alegremente, em sua essência de sábio,  conversava sobre todos os assuntos com aquelas pessoas simples como ele. Parece que a natureza e aquele convívio lhe trazia o espírito de Sócrates e,  assim, suavizava suas mágoas e trazia quietude ao seu coração. 
            Numa sociedade avarenta e faustosa, nunca deixou que aqueles homens e mulheres lhe conseguissem mudar. Benfeitor, e por conseguinte justo, nunca quis coisas materiais de sua própria família; lhe bastava o que precisava para as suas despesas, não apenas alimentar, mas também para suas viagens em benefício da humanidade. Transmitiu para seus filhos a herança que havia recebido de seus pais. Esse artigo é apenas um resumo que pude fazer, mesmo sabendo que não se pode resumir em algumas palavras a grandeza de um homem  como foi o Sr. de Montesquieu.  
Nicéas Romeo Zanchett 
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sexta-feira, 29 de outubro de 2021

A HISTÓRIA DA MOEDA NO MUNDO CIVILIZADO

 



             Com o desenvolvimento da inteligência ao longo dos séculos, a espécie humana sentiu a necessidade de maior conforto e a reparar no seu semelhante. Ainda na vida de nômade, o homem verificou que podia, em algumas regiões, conseguir diferentes espécies de caça ou, com o correr dos tempos, diferentes espécies de objetos e utensílios. E assim, como decorrência das necessidades individuais, surgiram as trocas. Em face das características de uma região esses objetos, utensílios, produtos e, mais tarde, mercadorias, circulavam com maior ou menor procura, acabando sempre um deles por se destacar, adquirindo o sentido daquilo que passou a ser conhecido como "moeda", isto é, unidade representativa de valor, aceita em uma comunidade, como instrumento de troca. 

               A partir de então, centenas de objetos e diversos tipos de metais circularam como moeda, notadamente peles de animais, sal, fumo, mandíbulas de porco, conchas, gado, cobre, ferro, prata e ouro. Sabe-se que crânios humanos serviam de lastro para a então moeda corrente, tal como o ouro e a prata, em Era mais recente, para o papel moeda. Ainda hoje, os termos pecuniário e salário são amplamente empregados no sentido de dinheiro originário, o primeiro, da palavra latina pecus, que significa rebanho, gado e, o segundo, da tradição do pagamento, em sal, dos bens adquiridos ou dos serviços prestados. O gado substituiu diversos objetos que funcionavam como meda, pela vantagem de ser grandemente aceito e aumentar com a reprodução. Tratando-se, entretanto, de mercadoria muito volumosa, difícil de transportar e perecível, surgiu a ideia  de se representar o boi por pequenina peça, nela gravando-se a figura do animal.

                Segundo os estudiosos do assunto, a primeira moeda apareceu na Lídia, na Ásia Menor. Com a descoberta do metal, o homem passou a utilizá-lo também como moeda. Inicialmente, em seu estado natural; depois, sob a forma de barras e  objetos. Ainda hoje os museus expõem moedas com formatos, os mais diversos: moeda-faca, cunhada em bronze e utilizada na China, a partir do século XII a.C.; moeda-chave, também utilizada na China; o "talento", peça de cobre e bronze, em forma de pele de animal, usada na Grécia e em Chipre. Na Índia, circulou a "árvore do dinheiro", da qual se retiravam as moedas, à proporção que delas se necessitava. Existem evidências da cunhagem, na Lídia e na Jônia, no século VII a.C., de moeda em electrum, uma liga natural de ouro e prata. 

              As dimensões e pesos de moedas chegaram a apresentar extraordinário contraste: o submúltiplo do "stater", unidade monetária da cidade de Aradus, na fenícia, possuía pouco mais de três milímetros de diâmetro e peso ínfimo, enquanto o Daler, cunhado na Suécia, em 1644, media 30 centímetros de largura por 70 centímetros de comprimento e pesava 19,71 quilos. 

             Em várias regiões banhadas pelo mar, especialmente na Ásia, África, América e Oceania, destacando-se em Angola, Madagastar, Gabão, Zanzibar, Moçambique e Brasil, por largo tempo, funcionaram como moeda pequenas conchas de rara beleza, pouco diferindo em seu tipo, e que variava entre o "cauri" e o "zimbo",  também conhecido como "guimbo" ou guimbombo". No Brasil, eram usadas pelos índios, que as pescavam, notadamente nas praias do Norte e Nordeste. Mais tarde, passaram a ser utilizadas pelos escravos africanos. Segundo historiadores, a pesca era feita duas vezes por mês: três dias antes e três dias depois da  lua nova e da lua cheia, não se encontrando uma só, fora dessas ocasiões. Conhecidas e usadas como troca desde os tempos pré-históricos, chegaram a possuir valor verdadeiramente inconcebível; na região dos Grandes Lagos, por exemplo, comprava-se uma mulher por dois "cauris". Um boi era comprado por um "zimbo"; um escravo valia entre 80 e 150 "arratéis" de "cauris" (um arratél  equivalia a 459 gramas). Uma galinha valia 50 "zimbos"  e uma cabra era comprada por 300. Embora semelhantes, o "zimbo" e o "cauri" apresentavam sensíveis diferenças. O primeiro, designado como "Olivancillaria nana" assemelha-se a uma oliva, sendo uma espécie de búzio cinzento e o segundo, conhecido como "Ciprea moneta", é pequena concha branca  ou amarelada, de certa beleza. O extraordinário valor que alcançaram deve-se a que os indígenas dedicavam especial cuidado à ornamentação pessoal, a ela atribuído tanta importância como à necessidade de alimentação. A enorme procura dessas conchas resultou em que se transformassem em autênticas mercadorias com funções de moeda, sendo que se constituíram em moeda pré-fiduciária, pois se lhe atribuíram valores convencionais. 

            Com o correr dos tempos as moedas passaram a ter uma representação gráfica, geralmente constituída de duas partes: designação abreviada do padrão monetário, que varia em cada país, e o cifrão, símbolo universal do dinheiro, cuja etimologia é do árabe "cifr". A propósito, conta a Mitologia grega que o lendário Hércules, para realizar um de seus doze trabalhos, teria necessidade de transpor enorme montanha. Dispondo de pouco tempo para a escalada, resolveu abrir o caminho, rachando a montanha com sua pesadíssima e indestrutível massa e separando-a em duas ligando, assim, o Mar mediterrâneo ao Oceano Atlântico. De um lado, ficou grande rochedo, mais tarde chamado de Gibraltar e, de outro, o Monte Acho, a leste da Ilha de Ceuta. As duas colunas, assim separadas, ficaram conhecidas como as "Colunas de Hércules". 

           No ano 711 da Era cristã, portanto, no século VIII, o general árabe Djebl, cognominado Djebl-el-Tarik (o Conquistador), como um tufão, penetrou na Europa, pelo sul da Espanha, dando início ao conhecimento, pelo Continente Europeu, da cultura árabe, cultura essa que, mais tarde, se espalhou pelo mundo, com as conquistas, europeias, especialmente de portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. 

               Para alcançar a Europa, partiu da  Arábia e passou, sucessivamente, pelo Egito, Desertos do Saara e da Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos; cruzou o Estreito das Colunas de Hércules e chegou, finalmente, às Espanha. Esse estreito passou a ter o nome de Gibraltar, palavra que se origina do árabe Djebl. Tarick mandou gravar, em moedas, uma linha sinuosa, em forma de "S", representando o longo e tortuosos caminho percorrido. Cortando essa linha sinuosa mandou colocar, no sentido vertical, duas barras paralelas, representando as Colunas de Hércules, que significavam força, poder, perseverança. O símbolo assim gravado na moeda - $ - passou a ser conhecido, em todo o mundo, como cifrão, representação gráfica do dinheiro. 

             Com a evolução homem e o natural surgimento do  Poder Constituído, os detentores desse poder passaram a avocar exclusivamente  a si o direito de moedagem, isto é, a exclusividade  da autorização da cunhagem de moeda, bem como a concessão desse direito, que perdura até nossos dias. Na Idade Média o privilégio de moedagem pertencia ao rei, ao poder eclesiástico ou aos senhores feudais. 

              O encarregado de trabalhar a moeda passou a ser conhecido como moedeiros. De início, o moedeiro tinha a incumbência ampla de todo o processamento, desde a concepção da moeda, até a cunhagem. Com o tempo, passaram a surgir as especializações, destacando-se o numulari (o que fazia a prova da moeda) ou "pecunia speculatoris" (ensaiador), provedor, tesoureiro, juiz da balança, fundidor, fiel do ouro ou da prata, guarda do cunho, abridor de cunho, conservador e serralheiro. 

               Sabe-se que os antigos romanos costumavam agrupar os artistas em Colégios, a fim de que fossem desenvolvidas as aptidões, medida que alcançou extraordinários resultados, sendo adotada por outros povos, inclusive na Idade Média, daí originando-se as Corporações de Artes e Ofícios. A França reuniu, no princípio do século XII, pela primeira vez, um uma Corporação, os artistas-moedeiros, a eles concedendo privilégios especiais. Surgiu, então, a Corporação  dos Moedeiros, que rapidamente se espalhou pela Europa. Os componentes da Corporação dos Moedeiros eram sagrados Cavalheiros, prestando juramento. Entre os privilégios destacam-se a isenção de irem á guerra, a do pagamento dos impostos municipais, o direito a tribunal próprio e a prisão especial (muito semelhantes aos privilégios dos políticos e juízes de nossos dias no Brasil). Eram sujeitos a Alcaides e julgados pelos mestres da moeda. Suas mulheres e famílias podiam usar sedas e as viúvas "que estivessem em boa fama" desfrutava, igualmente, de todos os privilégios, honrarias e exceções. "Não se lhes podia tomar roupa, nem palha, nem cevada, nem galinhas, nem lenha ou outra qualquer coisa, contra a vontade. 

            Em Portugal, do qual o Brasil herdou a tradição, a Corporação dos Moedeiros inciou-se no reinado de D. Dinis, em 1324. Tal importância tinham as Corporações que a elas se dava o direito de participarem das procissões, possuindo cada classe artística um padroeiro. Os moedeiros de Lisboa administravam a Confraria de Sant'Ana da Sé e, até nossos tempos, os moedeiros da Casa da Moeda do Brasil têm em Santana sua padroeira, cujo dia 26 de julho é dedicado a ela e, ainda hoje, em muitos lugares, se celebra missa dedicada a ela. 

            O moedeiro era admitido na Corporação,através de Cerimônia especial, denominada Sagração do Moedeiro. Portando um capacete prestava, de joelhos, juramento solene, sobre os Santos Evangelhos, recebendo, do Provedor da Instituição, o grau que lhe  era conferido, através de duas leves pancadas sobre o capacete, com uma espada  reta, finamente lavrada. Essas pancadas significavam "fé e lealdade" e "dedicação ao trabalho". 

             O Museu da casa da Moeda do Brasil exibe, em vitrine especial, o capacete e a espada  usados na solenidade da Sagração do Moedeiro. 

             Os eram obtidos por hereditariedade ou parentesco com o predecessor. Os moedeiros constituíram a representação mais perfeita que existiu no regime corporativo. Em Portugal, até o século XVII, alguns moedeiros residiam na Casa da Moeda, por ordem real, apresentando oficialmente senhas às sentinelas, a fim de serem por elas reconhecidos, quando tinham necessidade de regressar, altas horas da noite. 

             Existia a preocupação permanente dos reis de Portugal na manutenção dos privilégios dos moedeiros, inclusive os do Brasil, conforme cita Fortunée Levy, em trecho de D.João V: "Me pareceu ordenar-vos façais guardar aos moedeiros-do-numero da Casa da Moeda que há nessa cidade os mesmos privilégios que são concedidos aos da Cada da Moeda desta cidade de Lisboa".

            Com o tempo, as Corporações dos Moedeiros foram sofrendo restrições em seus privilégios, até serem extintos, na França, em 1791 e, em Portugal, em 1834. Todavia, a mística do Moedeiro permaneceu até nossos dias, como o artífice de uma das molas-mestras do desenvolvimento de uma nação. 

Nicéas Romeo Zanchett 

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