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terça-feira, 7 de maio de 2013

A DIVINA COMÉDIA - de Dante Alighieri

A DIVINA COMÉDIA 
                Considerada uma das principais obras literárias de todos os tempos, a Comédia de Dante Alighieri é um poema  alegórico em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso; composto de cem cantos em tercetos (cada parte com 33 cantos, e mais um de abertura, formando o número de 100 que na época era considerado um símbolo de perfeição. Escrita em italiano, iniciada provavelmente em 1307 e concluída em 1321. Narra uma odisseia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso. Com muita habilidade, Dante, o personagem da história, descreve cada etapa da viagem com detalhes quase visuais; é guiado pelo inferno e purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, musa preferida do autor. 
              Sua forte mágoa pela morte de Beatriz e o anseio de exaltar-lhe as virtudes, a adversão pelas injustiças e violências a que assistira, quando estava em Florença e durante o exílio, e mais o desejo de indicar aos homens o caminho do bem e do reto governo político, apontando-lhes as penas e a bem-aventurança da vida ultraterrena, induziram Dante Alighieri a dedicar-se, por mais de dez anos, a uma obra sobre-humana e eterna, a que chamou, modestamente, "Comédia", a fim de indicar o estilo em que fora escrita, e que, somente mais tarde, graças à iniciativa do seu primeiro grande comentador, Giovanni Boccaccio, se ornamentou com o objetivo de "Divina"; divina no significado de poema de argumento sagrado, porque, nela, Dante imaginou uma viagem através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso, mas divina também  porque, além de encerrar em si a soma de conceitos filosóficos e morais que constituem a base da vida cristã, a Comédia possui páginas de elevadíssima qualidade poética, entre as mais belas da poesia mundial. 
                Antes de Dante, outros escritores haviam tratado semelhante argumento (recordemos, por exemplo, a descrição do Averso, na Eneida de Virgílio e, na Idade Média, as obras de Giacomino da Verona e de Bonvesin de la Riva) e naqueles autores Dante, naturalmente, se inspirou, superando-os, todavia, pela vastidão e complexidade de sua criação. Com os escritores medievais, acima de tudo, ele teve, em comum,a finalidade de instruir os leitores e dar-lhes ensinamentos morais; por essa razão, dada a profunda cultura de Dante que, embora fazendo obra de poesia, jamais esqueceu os estudos a que se dedicara por tantos anos, a Divina Comédia encerra em si páginas de dificílima compreensão, para quem não conheça a História  da Antiguidade e da Idade Média, além do pensamento dos filósofos e dos teólogos que viveram antes e durante o tempo de Dante. E disso derivou surgir uma enorme multidão de curiosos, de estudiosos, desde os tempos de sua primeira publicação até aos nossos dias;  todos eles empenhadíssimos em explicar e comentar o poema. 
               Iniciada em 1307, ou talvez em 1310, depois da queda de Arrigo VII, a Divina Comédia foi, a princípio, concebida pelo poeta em proporções mais modestas; ampliada, a seguir, com acréscimo de novos episódios, ela se nos apresenta como uma das obras mais vastas que jamais foram escritas em versos; subdividida em três partes (Inferno, Purgatório e Paraíso), cada uma com 33 cantos e cerca de 150 versos, em terceira rima, de tercetos concatenados, mais um canto de prelúdio, dedicado ao inferno, o poema é, todavia, unitário, raramente revela prolixidade, e, em todas as partes, demonstra um cuidado minucioso de parte de seu autor. 
                Em conjunto, o Poema compreende 100 cantos, o quadrado de 10, número perfeito, segundo Dante. Os 100 cantos têm 14.233 versos, a saber: o Inferno - 4.720, o Purgatório - 4755, e, o Paraíso - 4758. 
                Imaginando que sua viagem teve início na primavera do ano de 1300 (naquele ano ocorreu o Jubileu e, ao escolher aquela data, compreende-se que o Poeta quis dar a entender haver sido tocado pela Graça Divina), narra Dante que, encontrando-se numa selva escura e ao ver-se atacado por uma pantera (ou onça), por um leão e uma leoa, apareceu-lhe inesperadamente Vigílio, o qual, oferendo-se-lhe como guia, convence-o a acompanhá-lo através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso Terrestre, onde lhe virá ao encontro Beatriz, para conduzi-lo à presença de Deus.  Somente assim poderá o Poeta salvar-se das insídias da selva (que simboliza os erros em que Dante incorrera em sua mocidade), e, sobretudo, conseguirá fugir das feras, as quais não são outra coisa senão os símbolos dos três pecados que mais afligem o homem: a avareza, a luxúria e a soberbia. 
                 E começa, assim, a grande aventura. O Inferno, segundo a concepção dantesca, abre-se qual uma voragem, até ao centro da terra. Rios de danação, como o Aqueronte, o Flegetone, e o Estige, envolvem-no em suas tempestuosas correntes, muralhas altíssimas, vales pedregosos, rochedos intransponíveis, separam um do outro os nove "círculos", verdadeiros giros, que se propendem para o abismo, no qual as almas penadas, os danados, pagam seus pecados, enquanto miríades de demônios e de criaturas monstruosas, que Dante muitas vezes vai buscar na mitologia pagã, circulando  pelas espessas trevas que recobrem seu reinado pavoroso, fazem com que os pecadores não tenham, por um átomo sequer, qualquer repouso. Mimos, o antigo rei de Creta, célebre pelo seu legendário senso de justiça, é o guardião geral do Inferno, e Dante , com severo julgamento, imagina que ele deva ter distribuído as penalidades segundo a lei do "contrapasso" ou de "Talião". 
               Acrescenta, outrossim, grande dramaticidade à visão dantesca o fato de que o Poeta não titubeia em situar, entre os danados, personagens conhecidos, mortos naqueles anos ou célebres na antiguidade, cuja evocação imprime um tom fortemente realístico à fantástica descrição do Inferno. Primeiro, entre todos, Dante descreve os indolentes, fracos e egoístas, que ele coloca no anti-inferno, como seres arrastados por um vento turbilhonante, sempre perseguindo um ponto e jamais alcançado, para que eles se recordem da inconstância e da incerteza de opiniões demonstradas outrora.  Seguem-se os pagãos e os não batizados, que, não tendo conhecido a palavra de Cristo, não merecem gozar a suprema ventura de visão de Deus, mas nem a dor de sofrer qualquer punição infernal.  E Dante, atendo-se à mais legítima tradição evangélica, situa-os no Limbo, um lugar aprazível, em contraste com a paisagem que o circunda, mas do qual a visão paradisíaca está excluída. 
                Atormentada e desesperada, desfila ante os olhos de Dante e Virgílio a longa legião dos condenados que enlanguescem nos nove círculos infernais: primeiro, os luxuriosos, arrastados no segundo círculo por um vendaval que lhes recorda a vida perturbada pelas paixões que os dominavam; depois os glutões, no terceiro círculo, mergulhados na lama e obrigados a experimentar-lhe o nauseabundo sabor, como lembrança dos apetitosos pratos, sempre cobiçados, durante sua vida; os avaros e os pródigos, no quarto círculo, são, ao invés, imaginados por Dante carregando enormes blocos de pedra, para que se lembrem de que, em outros tempos, demasiado os primeiros e bem pouco os segundos, amarram os bens terrenos, pois fizeram mau uso deles. Finalmente o Poeta e seu guia, embora as fúrias infernais tentem impedir-lhes o acesso, entram na cidade de Dite, onde são castigados os pecados mais graves. Aqui, Dante pôs os hereges (isto é, aqueles que se afastaram dos retos ensinamentos doutrinários da "igreja") e os condena a ficarem enterrados vivos, em sepulcros chamejantes. 
                Entre os hereges, surgindo das sepulturas, aparece a Dante um "condottiere" gibelino, o soberbo Farinata degli Uberti, e Cavalcante dei Cavalcanti,  pai daquele Guido  dei Cavalcanti, que foi amigo de Dante e seu companheiro de poesia. No primeiro giro do sétimo círculo, pelo Minotauro, são castigados aqueles que exerceram violência contra o próximo (entre os quais Dante  põe os tiranos da antiguidade e alguns bandidos e tiranetes da Idade Média), que, vigiados incessantemente pelos centauros, estão mergulhados num rio de sangue fervente. No segundo giro do sétimo círculo, uma horrível visão espera o Poeta:  aqui, realmente, são punidos os suicidas, que, por haverem desprezado a vida, o sublime dom do Senhor, foram transformados em árvores e em arbustos, (justa condenação para quem, como eles, não souberam enfrentar todas as responsabilidades inerentes ao ser humano).  No oitavo círculo, dividido em dez bolgie, são punidos em dez diferentes maneiras os fraudulentos; e, entre estes, os sedutores, os aduladores, os simoníacos, os adivinhos, os trapaceiros, os hipócritas, os maus conselheiros. Entre estes últimos, encerrados numa pequena chama bifurcada, estão Ulisses e Diomedes  que,  como todos sabem, sugeriram a tomada de Troia mediante um ardil. 
              Numerosos são os episódios que enriquecem os últimos cantos do Inferno, porque, mais nos avizinhamos do centro da terra, onde Lúcifer, o rei das trevas, pontifica num mar de gelo, que é a eterna condenação para os traidores, e, mais os pecados que se castigam são graves, mais as penas são impiedosas, mais fantástica e sugestiva se torna a descrição de Dante.
                Saídos, por uma fresta, do Inferno, os dois poetas encontram-se no hemisfério oposto àquele por onde Dante entrara; a porta do Inferno se encontrava, na verdade, nas proximidades de Jerusalém, no hemisfério boreal, e agora, voltando novamente para a luz, ambos estão na praia de uma ilha desconhecida, situada no hemisfério austral, num ponto indeterminado do oceano. A hora matutina, o ar tépido, o encanto da natureza, tudo faz prever uma viagem bem mais serena do que aquela que eles haviam concluído pouco antes. No Purgatório, de fato, onde reina a certeza de poder um dia subir à presença de Deus, tudo é alegria e serenidade, e já dos primeiros cantos, que descrevem o encontro com o nobre ancião que vigia o local, Catão, além da chegada de um grupo de almas penitentes, sobre um barco guiado por um anjo, temos a intuição de que, no Purgatório, se ainda penas existem, elas devem ser bem mais brandas, despidas da crueldade verificada no Inferno. No ante-purgatório, à espera de poder, finalmente, ascender ao Purgatório, para pagar seus próprios pecados, Dante encontra o bando dos excomungados e dos negligentes nas práticas pias; entre eles, o Poeta escolhe, para conversar, Manfredi e Sordello da Goito, poetas lombardo, conhecido pelas suas poéticas invectivas contra os pusilânimes príncipes italianos. 
               Em seguida , na valeta dos príncipes, também situada no ante-purgatório, Dante avista outro personagem seu conhecido: Corrado Malaspina, pertencente a nobre família em cujo lar o Poeta estivera muitas vezes, e compreende-se como o Florentino, tecendo-lhe elogios, tenha desejado demonstrar sua gratidão pela generosidade de seus anfitriões de outrora.
                Apresentando-se as sete cornijas sobre os quais as almas purgam seus pecados, Dante, reconhecendo humildemente ser um pegador e culpado de grandes  e pequenas negligências, propõe a si mesmo a viagem com espírito de penitência, e, por esse motivo, conta que um anjo lhe imprime na testa sete P, para significar os pecados de que se manchou. À saída de cada cornija, um anjo apagará um desses sinais, de modo que, ao fim da viagem, o Poeta poderá considerar-se,finalmente, lavado de toda culpa. Os castigos são igualmente escolhidos segundo a lei de Talião, mas a eles se acrescentam uma pena particular, que bem revela o quanto Dante houvesse não só assimilados os livros evangélicos, mas também o quanto amasse a escultura e a pintura; em cada círculo, realmente, encontramos esculpidos na rocha exemplos extraídos do Antigo e Novo Testamento que ilustram as virtudes opostas aos pecados que se pagam naquele recinto. E de novo desfilam diante dos olhos dos dois poetas as teorias dos penitentes; na primeira cornija, os soberbos grimpam o hirto declive, sob o peso de enormes pedras; na segunda, os invejosos jazem de pálpebras costuradas; na terceira, os iracundos se debatem num nevoeiro de fumaça (e aqui Dante situa o poeta Marco Lombardo, com o qual fala de discórdias e erros verificados entre os príncipes e a Igreja); no  IV degrau, os preguiçosos correm sem cessar, lembrando-se reciprocamente os episódios evangélicos nos quais se exalta a solicitude e castiga-se a preguiça; na V, os avaros jazem de bruços; na VI, os glutões padecem fome (entre estes o florentino Forese Donati, amigo de Dante); na VII, os luxuriosos caminham no fogo (entre ele o poeta bolonhês Guido Guinizelli). Depois finalmente, Dante se encontra no Paraíso Terrestre, no qual encontra a suave e meiga figura feminil de Matelda. 
              É chegado para Virgílio o momento de deixá-lo, porque, sendo poeta pagão, ele deve retornar ao Limbo, mas outra criatura, Beatriz, vai ao encontro do Poeta, na primaveril paisagem do Paraíso Terrestre e, radiante de luz divina, pega-lhe a mão. 
              Com ela, o Poeta ascende os nove céus subjacentes ao Empíreo; começa para Dante a derradeira viagem, aquela que atravessa o Paraíso. O Poeta, com raríssima perícia, consegue dar vasão a seus primorosos versos até descrever-nos maravilhosas paisagens, climas e cores de um mundo ultra-terreno. É, esta, a parte do poema, que, dado o argumento, talvez melhor põe em realce a qualidade poética de Dante;  a outra parte, sendo muito rica de temas teológicos e filosóficos, é também aquela de mais difícil compreensão. Imaginando-se tocado pela Graça Divina, e, por isso, em condições de compreender verdades que aos homens obliterados pelo pecado não é facultado conhecer, Dante dirige inúmeras perguntas a Beatriz e aos Bem-aventurados que ele vai encontrando nos nove Céus; deles, sempre, recebe doutas respostas, completamente em acordo com os principais fundamentos teológicos. Beatriz explica-lhe o princípio que preside a ordem do Universo, feito por Deus para que todas as coisas criadas cumpram sua finalidade, a teoria do livre arbítrio e as questões relativas ao voto. 
             

                Finalmente, no Paraíso - Canto XVI - céu de Marte -, Dante acompanhado de Beatriz encontra-se com Cacciaguida, trisavó do Poeta. No céu de Saturno - Canto XXI - Dante vê uma escadaria luminosíssima, pela qual sobem e descem cortes de almas resplandescentes. No Canto XXXI - Dante chega ao Empíreo, em companhia de São Bernardo, seu último guia, onde avista uma cândida rosa formada pelos Bem-aventurados e, entre estes, lhe aparece a luminosa visão da Virgem Maria; a paisagem torna-se sempre mais fulgurante de claridade e as almas bailando, as côrtes dos anjos, os cânticos que ressoam cada vez mais suavemente, advertem a Dante de que chegara o momento tão almejado;  o Empíreo, entre jorros de luz,  onde palpitam quais chispas maravilhosas, os anjos; depois, bem acima dele, a fulgurante luz, em forma de três círculos de fogo, a Santíssima Trindade. Aqui termina o poema. Iniciado com a descrição de um mundo tenebroso, imerso no pecado, ele culmina com a visão de Deus, Rei da Luz. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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OBSERVAÇÕES FINAIS: 
               Nunca, poeta algum, com exceção de Dante, conseguiu abraçar, com sua fantasia, um mundo tão vasto, e tornar-se, assim, o expressivo poeta do pecado e admirável cantor da  Graça Divina. 
                 Dante viveu entre 1265 e 1321, portanto, em plena Idade Média. É uma época conturbada onde, em Florença, brigava-se facilmente; mal eram expulsos os chefes de uma fação política de bandidos, os adversários lhes desmantelavam as casas - (como acontece hoje em muitas comunidades de baixa renda); quanto à burguesia, que nesta época era constituída principalmente por banqueiros e comerciantes, não pensava em combater e mudar a situação, mas apenas ganhar e acumular dinheiro - (isso continua ocorrendo em nossos dias); as residências e lojas dos ricos eram protegidas com torres e muros de segurança - (nos nossos dias, surgiram os condomínios fechados; verdadeiras fortalezas contra a bandidagem). 
                 Nos longos anos de exílio, poucos dos nobres que acolheram Dante deram valor a seu trabalho poético. Um desses homens foi Guido Novello da Polenta, em cujo palácio em Ravena, o poeta concluiu a obra que as gerações seguintes consagrariam como uma das maiores peças literárias de todos os tempos: a "Comédia". 
                 Dante era um estudioso de teologia e seu trabalho mostra sua fidelidade ao criacionismo e crença nos Evangelhos,  onde foi buscar sua inspiração. Viveu numa época em que a ciência ainda não pensava no Big-Bang e a filosofia tinha uma visão restrita e não conhecia a metafísica.   
Nicéas Romeo Zanchett 
             

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