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quinta-feira, 18 de julho de 2019

ZARATUSTRA - Nicéas Romeo Zanchett

             
O advento do profeta. 
A religião persa antes de Zaratustra.
A Bíblia da Pérsia.
Os espíritos do bem e do mal. 
A luta pela posse do mundo. 

                A lenda persa narra como, muitas centenas de anos antes do nascimento de Cristo, um grande profeta apareceu no Airyana-vaejo, o antigo "lar dos arianos". O povo dava-lhe o nome de Zaratustra; mas os gregos, que não suportavam com paciência a ortografia dos "bárbaros", chamavam-lhe Zoroastro. A concepção de Zaratustra era divina. A lenda diz que seu anjo da guarda entrara na planta haona e passara com a seiva para o corpo dum sacerdote, quando este oferecia um sacrifício divino; no mesmo instante um raio da gloria celeste entrou no seio duma virgem de alta linhagem. O sacerdote desposou a virgem, o anjo assimilado pelo seu corpo misturou-se com o raio aprisionado, e assim, surgiu Zaratustra. Começou rindo alto no próprio dia do nascimento, e os espíritos maus que se reúnem em torno de cada nova vida fugiram dele em tumulto e terror. Seu grande amor à justiça e à sabedoria fê-lo afastar-se da sociedade dos homens e ir viver no agreste das montanhas, alimentando-se de queijo e frutos da terra. Tentou-o o Diabo, mas sem vantagem. Seu peito foi varado por uma espada, e suas entranhas enchidas de chumbo derretido; ele não se queixou e ainda mais se aferrou à fé em Ahura-Mazda- o Senhor da Luz, deus supremo. Mazda aparece-lhe e põe-lhe nas mãos o Avesta, ou Livro da Ciência e da Sabedoria, mandando que o pregasse ao gênero humano. Por muito tempo o mundo o meteu a riso e perseguiu; mas por fim um alto príncipe do Irã - Vishtaspa ou Histaspes - o ouviu com alegria e prometeu-lhe espalhar a nova fé. Assim nasceu a religião de Zoroastro. Zaratustra viveu vida longa, sendo consumido por um raio e subiu ao céu. 
               Não podemos dizer o que há nesta lenda de verdadeiro; só algum Josias o descobriria. Os gregos aceitaram-na como história, honraram-na e deram-lhe uma antiguidade de 5.500 anos antes da era grega; Berosus, o babilônio, pô-la em 2.000 a. C.; e os historiadores modernos que admitem a existência de Zaratustra colocam-na entre o décimo e o sexto século a. C. (Ser o Vishtaspa que a promulgou foi o pai de Dario I, esta última data parece a mais provável.)  Quando Zaratustra  apareceu, encontrou, o povo na adoração de animais, de ancestrais, da terra e do sol, numa religião com muitas deidades em comum com os hindus da Idade Védica. 
                 As principais divindades desta fé pré-zoroastriana foram Mitra, deus do sol, Anaita, deusa da fertilidade e da terra, e Haoma, o deus-touro que, morrendo, voltou de novo e deu à humanidade seu sangue como bebida própria a conferir a imortalidade; os primitivos iranianos mo adoravam, embriagando-se com o suco da erva haona,encontrada nas encostas das montanhas. Zaratustra sentiu-se desagregado dessas deidades primitivas e daquela ritual dionisíaco; rebelou-se contra os "magi", ou sacerdotes que o serviam; e, com o ímpeto de seus contemporâneos Amoz e Isaías, anunciou ao mundo um deus só - Ahura-Mazda, senhor da lua e do céu, do qual todos os outros deuses não passavam de manifestações e qualidades. Talvez Dario I, que aceitou a nova doutrina, visse nela uma fé capaz de inspirar o povo e fortalecer o seu governo. A partir do acesso ao trono, Dario I declarou guerra aos velhos cultos e seus sacerdotes, fazendo do zoroastrianismo a religião do Estado. 
                A Bíblia da nova fé consistia numa coleção de livros em que os discípulos do Mestre haviam juntado todas as sua palavras e preces. Mais tarde recebeu este livro o nome de Avesta, e devido ao erro dum erudito o mundo ocidental o conhece domo o Zend-Avesta. (Anquetil-Duperron introduziu o prefixo Zend, que os persas haviam usado para denotar apenas uma tradução e interpretação do Avesta. Esta última palavra é de origem incerta, provavelmente derivada, como a palavra Veda, da raiz ariana vid, "conhecer".  O leitor não persa aterroriza-se hoje ao verificar que os alentados volumes que sobreviveram, embora menores que a nossa Bíblia, não passam de pequena fração da revelação feita pelo deus a Zaratustra. (A tradição persa fala dum Avesta de 21 livros, chamados Nasks, que também faziam parte das Escrituras originais. Um dos Nasks permanece intacto - Vendidad; do resto só se salvaram fragmentos , em composições posteriores, como o Dinkard e o Bundakish. Historiadores árabes falam do  texto completo; cobria 12.000 couros de boi . De acordo cvom a tradição sagrada, duas cópias foram feitas pelo príncipe Vishtaspa; uma foi destruída quando Alexandre incendiou o palácio real de Persépolis; outra foi levada pelos gregos vitoriosos e, traduzida na Grécia (dizem as autoridades persas), proporcionou aos gregos todo o conhecimento científico que demonstraram. No 3º século da Era Cristã, Vologeso I, rei da Dinastia Arsacid, ordenou que se procedesse ao colecionamento de tudo quanto subsistia em escrito ou na memória dos fiéis; esta coleção  fixou a forma atual do Avesta e se tornou a religião oficial do Irã. Durante a conquista muçulmana no século 7º s obra sofreu nova devastação".  O que resta é para o observador estrangeiro uma confusa massa de orações, cantos, lendas, prescrições, moral e ritual, abrilhantada num ponto ou noutro pelo nobre da linguagem pela fervorosa devoção e pela elevação moral. Como o nosso Velho Testamento, trata-se duma composição bastante eclética.  O estudioso descobre aqui e ali, ideias e às vezes até palavras e frases do Rig-Veda, em tal extensão que muitos eruditos consideram o Avesta inspirado, não pelo deus Ahura-Mazda, mas pelos Vedas; outros trechos mostram a influência babilônica na história da Criação do mundo em seis períodos (céu, água, terra, plantas, animais e homens), na descendência do homem de um casal primitivo, no estabelecimento dum paraíso terreal, no descontentamento do Criador com a criatura, e na destruição dela com um dilúvio. (Aqui fica bem evidente que o Velho Testamento Cristão baseou-se nesta história para criar sua fábula do dilúvio.) Mas os elementos especialmente iranianos bastam para caracterizar o todo: o mundo é concebido, em termos dualísticos, como o palco dum conflito de doze mil anos entre o deus Ahura-Mazda e o diabo Arimã; a pureza e a honestidade são as maiores virtudes e levam à vida eterna; os mortos não devem ser queimados ou enterrados, como fazem os obscenos gregos ou hindus, mas lançados aos cães e abutres. 
                 O deus de Zaratustra foi primeiramente "o total círculo dos céus", "Ahura-mazda" vestia-se com a abobada do firmamento;... seu corpo é a luz e a glória soberana; o sol e a lua são seus olhos. Mais tarde, quando a religião passou dos profetas aos políticos, essa grande deidade representou-se como um rei de gigantesca majestade. Como criador e senhor do mundo, era assistido por uma legião de divindades menores originariamente descritas sob a forma de forças naturais - fogo e água, sol e lua, vento e chuva; mas a grande realização de Zaratustra foi, em palavras nobres como as do livro de Jó, conceber seu deus como supremo a todas as coisas. 
Isto te pergunto, e dize-me em verdade, ó Ahura-Mazda: 
Quem determinou a rota dos sóis e das estrelas?
Quem faz a lua minguar ou crescer? 
Quem, de baixo, sustenta a terra e o firmamento para não caírem?
Quem sustenta as águas e plantas? 
Quem deu movimento aos ventos e nuvens?
Que, ó Ahura-Mazda, evocou o Bom Espírito?

                Esse "Bom Espírito" não significa nenhum espírito humano ou animal, mas uma divina sabedoria, quase um Logos, usado por Mazda como um agente secreto da criação. Zaratustra interpreta Ahura-Mazda como tendo sete aspectos ou qualidades: Luz, Bom Espírito, Justiça, Domínio, Piedade, Bondade, Imortalidade. Seus seguidores, afeitos ao politeísmo, interpretavam esses atributos como pessoas (os amesha spenta, ou as imortais criaturas sagradas) que, sob a chefia de Ahura-Mazda, criaram e dirigem o mundo; deste modo o majestático monoteísmo do fundador se torna - como no caso do Cristianismo - o politeísmo do povo. Em adição a esses sagrados espíritos havia os anjos da guarda, um para cada criatura. Mas do mesmo modo que esses anjos e os sagrados seres ajudavam os homens na virtude, assim também sete doevas, ou espíritos maus. (Presumivelmente, influência de demonologia babilônica.) pairavam no ar, sempre induzindo os homens ao crime e ao pecado, em guerra eterna contra Ahura-Mazda e todas as formas de justiça. O chefe desses diabos era Angro-Mainyus, ou Arimã, Príncipe das Trevas e rei do mundo subterrâneo, protótipo daquele operoso Satã que os judeus parecem ter tomando da Pérsia e legado ao cristianismo. Foi, por exemplo, Arimã quem criou as serpentes, as pestes, os gafanhotos, as formigas, o inverno, o escuro, o crime, o pecado, a sodomia, a menstruação e outras pragas da vida; e foram essas invenções do diabo que arruinaram o paraíso em que Ahura-Mazda colocara o primeiro casal humano. Zaratustra parece considerar esses espíritos como deidades espúrias, encarnações populares e supersticiosas das forças abstratas que resistem aos progressos do homem. Seus seguidores, entretanto, acharam mais fácil pensar neles como seres vivos, e personifica-los com tal abundância que mais tarde, na teologia persa, os diabos subiam a milhões. 
                 Este sistema de fé saiu de Zaratustra sob forma de monoteísmo. Mesmo com a introdução de Arimã e dos maus espíritos, a fé mostrava-se tão monoteísta como o cristianismo como seu Satã, diabos menores e anjos; na realidade ressoa na primitiva teologia cristã muita coisa do dualismo persa, como do puritanismo hebraico e da filosofia grega. A concepção Zoroastriana podia satisfazer um espírito como o de Matthew Arnold; Ahura-Mazda era a soma total de todas as forças do bem; e a moralidade está na cooperação com essas forças. Ademais, havia nesse dualismo uma certa justiça para com o contraditório e o lado mau das coisas, que o monoteísmo jamais considerou; e embora os teólogos zoroastrianos às vezes afirmem que o mal é irreal, eles na realidade ofereciam uma teologia bem adaptada à media da mentalidade humana, no conceito que ela pode fazer da vida. o último ato da peça seria, para os bons, um fim feliz; depois de quatro épocas de três mil anos cada uma, com alternada predominância de Ahura-Mazda e Arimã, as forças do mal seriam por fim destruídas. Então todos os homens bons se juntariam a Ahura-Mazda no paraíso, e os maus cairiam no abismo de trevas, onde seriam eternamente alimentados de veneno. 

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