OS LUSÍADAS
III
Artigos culturais.
A partir de então, centenas de objetos e diversos tipos de metais circularam como moeda, notadamente peles de animais, sal, fumo, mandíbulas de porco, conchas, gado, cobre, ferro, prata e ouro. Sabe-se que crânios humanos serviam de lastro para a então moeda corrente, tal como o ouro e a prata, em Era mais recente, para o papel moeda. Ainda hoje, os termos pecuniário e salário são amplamente empregados no sentido de dinheiro originário, o primeiro, da palavra latina pecus, que significa rebanho, gado e, o segundo, da tradição do pagamento, em sal, dos bens adquiridos ou dos serviços prestados. O gado substituiu diversos objetos que funcionavam como meda, pela vantagem de ser grandemente aceito e aumentar com a reprodução. Tratando-se, entretanto, de mercadoria muito volumosa, difícil de transportar e perecível, surgiu a ideia de se representar o boi por pequenina peça, nela gravando-se a figura do animal.
Segundo os estudiosos do assunto, a primeira moeda apareceu na Lídia, na Ásia Menor. Com a descoberta do metal, o homem passou a utilizá-lo também como moeda. Inicialmente, em seu estado natural; depois, sob a forma de barras e objetos. Ainda hoje os museus expõem moedas com formatos, os mais diversos: moeda-faca, cunhada em bronze e utilizada na China, a partir do século XII a.C.; moeda-chave, também utilizada na China; o "talento", peça de cobre e bronze, em forma de pele de animal, usada na Grécia e em Chipre. Na Índia, circulou a "árvore do dinheiro", da qual se retiravam as moedas, à proporção que delas se necessitava. Existem evidências da cunhagem, na Lídia e na Jônia, no século VII a.C., de moeda em electrum, uma liga natural de ouro e prata.
As dimensões e pesos de moedas chegaram a apresentar extraordinário contraste: o submúltiplo do "stater", unidade monetária da cidade de Aradus, na fenícia, possuía pouco mais de três milímetros de diâmetro e peso ínfimo, enquanto o Daler, cunhado na Suécia, em 1644, media 30 centímetros de largura por 70 centímetros de comprimento e pesava 19,71 quilos.
Em várias regiões banhadas pelo mar, especialmente na Ásia, África, América e Oceania, destacando-se em Angola, Madagastar, Gabão, Zanzibar, Moçambique e Brasil, por largo tempo, funcionaram como moeda pequenas conchas de rara beleza, pouco diferindo em seu tipo, e que variava entre o "cauri" e o "zimbo", também conhecido como "guimbo" ou guimbombo". No Brasil, eram usadas pelos índios, que as pescavam, notadamente nas praias do Norte e Nordeste. Mais tarde, passaram a ser utilizadas pelos escravos africanos. Segundo historiadores, a pesca era feita duas vezes por mês: três dias antes e três dias depois da lua nova e da lua cheia, não se encontrando uma só, fora dessas ocasiões. Conhecidas e usadas como troca desde os tempos pré-históricos, chegaram a possuir valor verdadeiramente inconcebível; na região dos Grandes Lagos, por exemplo, comprava-se uma mulher por dois "cauris". Um boi era comprado por um "zimbo"; um escravo valia entre 80 e 150 "arratéis" de "cauris" (um arratél equivalia a 459 gramas). Uma galinha valia 50 "zimbos" e uma cabra era comprada por 300. Embora semelhantes, o "zimbo" e o "cauri" apresentavam sensíveis diferenças. O primeiro, designado como "Olivancillaria nana" assemelha-se a uma oliva, sendo uma espécie de búzio cinzento e o segundo, conhecido como "Ciprea moneta", é pequena concha branca ou amarelada, de certa beleza. O extraordinário valor que alcançaram deve-se a que os indígenas dedicavam especial cuidado à ornamentação pessoal, a ela atribuído tanta importância como à necessidade de alimentação. A enorme procura dessas conchas resultou em que se transformassem em autênticas mercadorias com funções de moeda, sendo que se constituíram em moeda pré-fiduciária, pois se lhe atribuíram valores convencionais.
Com o correr dos tempos as moedas passaram a ter uma representação gráfica, geralmente constituída de duas partes: designação abreviada do padrão monetário, que varia em cada país, e o cifrão, símbolo universal do dinheiro, cuja etimologia é do árabe "cifr". A propósito, conta a Mitologia grega que o lendário Hércules, para realizar um de seus doze trabalhos, teria necessidade de transpor enorme montanha. Dispondo de pouco tempo para a escalada, resolveu abrir o caminho, rachando a montanha com sua pesadíssima e indestrutível massa e separando-a em duas ligando, assim, o Mar mediterrâneo ao Oceano Atlântico. De um lado, ficou grande rochedo, mais tarde chamado de Gibraltar e, de outro, o Monte Acho, a leste da Ilha de Ceuta. As duas colunas, assim separadas, ficaram conhecidas como as "Colunas de Hércules".
No ano 711 da Era cristã, portanto, no século VIII, o general árabe Djebl, cognominado Djebl-el-Tarik (o Conquistador), como um tufão, penetrou na Europa, pelo sul da Espanha, dando início ao conhecimento, pelo Continente Europeu, da cultura árabe, cultura essa que, mais tarde, se espalhou pelo mundo, com as conquistas, europeias, especialmente de portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses.
Para alcançar a Europa, partiu da Arábia e passou, sucessivamente, pelo Egito, Desertos do Saara e da Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos; cruzou o Estreito das Colunas de Hércules e chegou, finalmente, às Espanha. Esse estreito passou a ter o nome de Gibraltar, palavra que se origina do árabe Djebl. Tarick mandou gravar, em moedas, uma linha sinuosa, em forma de "S", representando o longo e tortuosos caminho percorrido. Cortando essa linha sinuosa mandou colocar, no sentido vertical, duas barras paralelas, representando as Colunas de Hércules, que significavam força, poder, perseverança. O símbolo assim gravado na moeda - $ - passou a ser conhecido, em todo o mundo, como cifrão, representação gráfica do dinheiro.
Com a evolução homem e o natural surgimento do Poder Constituído, os detentores desse poder passaram a avocar exclusivamente a si o direito de moedagem, isto é, a exclusividade da autorização da cunhagem de moeda, bem como a concessão desse direito, que perdura até nossos dias. Na Idade Média o privilégio de moedagem pertencia ao rei, ao poder eclesiástico ou aos senhores feudais.
O encarregado de trabalhar a moeda passou a ser conhecido como moedeiros. De início, o moedeiro tinha a incumbência ampla de todo o processamento, desde a concepção da moeda, até a cunhagem. Com o tempo, passaram a surgir as especializações, destacando-se o numulari (o que fazia a prova da moeda) ou "pecunia speculatoris" (ensaiador), provedor, tesoureiro, juiz da balança, fundidor, fiel do ouro ou da prata, guarda do cunho, abridor de cunho, conservador e serralheiro.
Sabe-se que os antigos romanos costumavam agrupar os artistas em Colégios, a fim de que fossem desenvolvidas as aptidões, medida que alcançou extraordinários resultados, sendo adotada por outros povos, inclusive na Idade Média, daí originando-se as Corporações de Artes e Ofícios. A França reuniu, no princípio do século XII, pela primeira vez, um uma Corporação, os artistas-moedeiros, a eles concedendo privilégios especiais. Surgiu, então, a Corporação dos Moedeiros, que rapidamente se espalhou pela Europa. Os componentes da Corporação dos Moedeiros eram sagrados Cavalheiros, prestando juramento. Entre os privilégios destacam-se a isenção de irem á guerra, a do pagamento dos impostos municipais, o direito a tribunal próprio e a prisão especial (muito semelhantes aos privilégios dos políticos e juízes de nossos dias no Brasil). Eram sujeitos a Alcaides e julgados pelos mestres da moeda. Suas mulheres e famílias podiam usar sedas e as viúvas "que estivessem em boa fama" desfrutava, igualmente, de todos os privilégios, honrarias e exceções. "Não se lhes podia tomar roupa, nem palha, nem cevada, nem galinhas, nem lenha ou outra qualquer coisa, contra a vontade.
Em Portugal, do qual o Brasil herdou a tradição, a Corporação dos Moedeiros inciou-se no reinado de D. Dinis, em 1324. Tal importância tinham as Corporações que a elas se dava o direito de participarem das procissões, possuindo cada classe artística um padroeiro. Os moedeiros de Lisboa administravam a Confraria de Sant'Ana da Sé e, até nossos tempos, os moedeiros da Casa da Moeda do Brasil têm em Santana sua padroeira, cujo dia 26 de julho é dedicado a ela e, ainda hoje, em muitos lugares, se celebra missa dedicada a ela.
O moedeiro era admitido na Corporação,através de Cerimônia especial, denominada Sagração do Moedeiro. Portando um capacete prestava, de joelhos, juramento solene, sobre os Santos Evangelhos, recebendo, do Provedor da Instituição, o grau que lhe era conferido, através de duas leves pancadas sobre o capacete, com uma espada reta, finamente lavrada. Essas pancadas significavam "fé e lealdade" e "dedicação ao trabalho".
O Museu da casa da Moeda do Brasil exibe, em vitrine especial, o capacete e a espada usados na solenidade da Sagração do Moedeiro.
Os eram obtidos por hereditariedade ou parentesco com o predecessor. Os moedeiros constituíram a representação mais perfeita que existiu no regime corporativo. Em Portugal, até o século XVII, alguns moedeiros residiam na Casa da Moeda, por ordem real, apresentando oficialmente senhas às sentinelas, a fim de serem por elas reconhecidos, quando tinham necessidade de regressar, altas horas da noite.
Existia a preocupação permanente dos reis de Portugal na manutenção dos privilégios dos moedeiros, inclusive os do Brasil, conforme cita Fortunée Levy, em trecho de D.João V: "Me pareceu ordenar-vos façais guardar aos moedeiros-do-numero da Casa da Moeda que há nessa cidade os mesmos privilégios que são concedidos aos da Cada da Moeda desta cidade de Lisboa".
Com o tempo, as Corporações dos Moedeiros foram sofrendo restrições em seus privilégios, até serem extintos, na França, em 1791 e, em Portugal, em 1834. Todavia, a mística do Moedeiro permaneceu até nossos dias, como o artífice de uma das molas-mestras do desenvolvimento de uma nação.
Nicéas Romeo Zanchett
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