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sábado, 24 de agosto de 2013

A VIDA DE CAMÕES - Por Nicéas Romeo Zanchett


A VIDA DE CAMÕES 
Por Nicéas Romeo Zanchett
                 Ninguém sabe ao certo onde ele nasceu, nem a data exata; os historiadores dizem apenas que foi no ano de 1542. Se ele tivesse sido um português comum, ninguém estaria preocupado com isso. Mas ele é, e tudo indica que sempre será, o maior poeta português de todos os tempos. 
                  Lisboa reivindica para si, dizendo-se o berço natal do grande poeta. O mesmo fazem Coimbra, Alenquer e Santarém. Cada uma dessas cidades lusitanas quer para si a glória de ser a terra de nascimento do cantor dos "Lusíadas". 
                  Quando ainda era menino, morava na capital do reino. Seus pais, pertencentes a uma nobre família galiciana, estavam estabelecidos em Lisboa. Ali passou a infância e na juventude foi para Coimbra, onde funcionava, havia muito tempo, a célebre Universidade, um dos grandes núcleos do Velho Mundo.  Naquela irriquieta "cidade dos estudantes", também estudou. Foi ali que fez seu curso de humanidades. 
                  Luiz de Camões era um moço elegante, forte, rijo, com belo rosto e brilhante inteligência. 
                  Ainda em seu inicio estudantil, já compunha primorosas poesias. Sabia se expressar muito bem, falando com desenvoltura e arrojo. Era muito hábil em medir os versos e sonorizar as rimas com vigor e arte. Como sempre acontecia, além de admirado era invejado. Tinha amigos sinceros, amigos fingidos e inimigos declarados, que, não raro, o provocavam. Como o jovem poeta não era de levar desaforos para casa, sempre se metia, mesmo sem querer, em rixas e pugilatos.  
                  Depois de ter completados os estudos em Coimbra, voltou a residir com sua família em Lisboa.
                  Portugal estava sob o reinado de D.João III, filho de D. Manuel, "O Venturoso".  A Corte desse monarca resplandecia de luxo e riqueza. Por ser um nobre homem de letras, teve logo entrada nos esplendorosos serões do palácio real, entre outros nobres e damas da mais alta hierarquia. 
                  No paço de D. João III cultivava-se a arte com decididos ardores. A poesia, principalmente, era acolhida com entusiasmo, que a própria época - a Renascença - acendia na alma da gente culta. 
                  Nesses elegantes saraus palacianos, tocava-se música, havia representações, recitavam-se poemas e sonetos. 
                  A figura esbelta e vigorosa de Luis de Camões tinha realce entre aqueles nobres cortesões. Seu talento era ofuscante. Sua coragem extrema e suas maneiras viris atraiam as atenções, criando amigos,  admiradores e inimigos invejosos.  Recitava suas composições com sabedoria e graça. 
                  Naquele ambiente luxuoso conheceu uma linda moça, Catarina de Ataíde, que apaixonou-se por ele.  Ele também apaixonou-se por Catarina, mas por inveja, foi caluniado e incompreendido,  a ponto da família dela opor-se ao seu casamento. 
                  Enojado com as intrigas da Corte, as hipocrisias e maldades que se tramavam nos salões e corredores do paço, Camões abandonou os saraus de arte, afastou-se das luxuosas reuniões, não frequentando mais o palácio de D.João III. Apesar disso sua amada Catarina continuava fiel e esperançosa. 
                  Foi justamente naquele momento que surgiu a guerra na Africa entre lusos e mouros. Em Lisboa abre-se o voluntariado.  Camões, desiludido com a vida que levava, alista-se marcha para o continente Africano. Seu pai o acompanhou nessa aventura incerta. 
                  Na África, Luiz e seu pai lutam lado a lado. Ali travava-se uma batalha horrível. Nos turbilhões do embate, entre espadas, lanças, azagaias e cimitarras, que soltam faíscas, cortam, furam e decepam. Setas mouriscas, muitas envenenadas, riscavam os céus  e uma delas dirigia-se ao peito do seu progenitor. Camões, em sadio impulso de amor filial, antepõe o escudo. A seta ricocheteia e lhe vasa um olho. Assim foi que perdeu uma vista, mas seu pai saiu sem nenhum ferimento. 
                     Em 1549, Camões vota a Lisboa.  Continua a escrever poesias, mas já não tem os mesmo júbilos de antes, pois a visão defeituosa e a desesperança de casar-se com Catarina, o tornam recolhido e melancólico. 
                     Sentindo necessidade de alguma distração, é visto frequentemente passeando sozinho pelas ruas de Lisboa. 
                     Nesse tempo, como ainda hoje, havia em Lisboa do dia do Corpo de Deus (Corpus Christi), que se comemoravam em grandiosa procissão. 
                     Numa dessas manifestações de fé, quando ia em meio à procissão, trava-se uma forte rixa entre lacaios de um fidalgo e os do coche do rei. Luiz de Camões presencia a rixa a certa distância. Mas, vendo que a razão estava do lado dos lacaios do fidalgo, desembainha sua espada (que como nobre tinha o direito de usar) e fere com ela um lacaio real. Embora fosse um "gentil-homem" e tivesse agido com justiça, apesar de violenta, foi detido, e dias depois condenado. 
                    Na escuridão de uma infecta masmorra, põe-se a ler a Primeira Década do historiador João de Barros, seu contemporâneo, obra em que são narrados  os feito militares  dos portugueses nas terras do Oriente. Foi ai que despertou em seu espírito a ideia de escrever, a respeito, um poema épico sobre esses sucessos e que daria o nome de "Lusíadas". 
                    Assim começa, na prisão, a escrever os seus extraordinários versos. Não pode, porém prosseguir na obra sem conhecer os lugares que serviram de teatro aos heroicos feitos lusitanos. As imagens escritas por João de Barros fervilhavam em sua imaginação. 
                    Tão logo saiu da prisão, em 1553, embarcou cheio de esperanças e  idéias para a Índia, aportando em Goa. Nessa possessão portuguesa, Camões, que tomara parte nas lutas contra os inimigos de Portugal, é mal visto pelos nativos que costumavam hostilizar os colonizadores lusitanos. 
                     Mesmo com alguma dificuldade, retoma sua produção poética e escreve a peça "Filodemo",  para ser levada à cena nas festas da posse de D. Francisco Barreto no cargo de Governador da Índia Portuguesa. 
                     Em 1558, Camões é nomeado para um cargo oficial - o de provedor mor de defuntos e ausentes - para a remota colônia de Macau, colônia portuguesa encravada na China. 
                     Foi em Macau que teve tempo para escrever mais assiduamente. Todas as tardes, após o trabalho, recolhia-se a uma gruta (a Gruta de Camões - como passou a chamar-se depois) e ali passava para o papel os vigorosos e empolgantes versos do seu extenso poema, a sua obra prima e máxima da língua portuguesa. 
                     Mas, o brilho de sua inteligência não tardou a despertar inveja e maldade; a calunia o perseguia.  Foi injustamente denunciado de apropriar-se do dinheiro do povo. 
                     Diante dessa injustiça, e para defender-se da acusação, embarca sem perda de tempo para Goa. Mas, ao chegar à Indo-China, junto ao rio Cambodja, sua embarcação sofria com o mar agitado e ondulado acabando por naufragar. 
                     Sem perder tempo, Luiz pegou os originais de seu poema  atirando-se ao mar revolto; com a mão esquerda  segurava sua obra acima das águas agitadas e com a direita dava braçadas, e assim foi nadando até a praia. 
                     Com sua obstinação e coragem salvou sua obra prima, "Lusíadas",   que o tornou conhecido como o maior poeta português. 
Nicéas Romeo Zanchett 
               



domingo, 11 de agosto de 2013

GAUTAMA BUDA


GAUTAMA BUDA 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                  Cerca do ano 1.000 a.C., no seio da civilização dos Árias, conquistadores do Pendjab e do alto do Ganges, surgia o Bramanismo, uma religião complicada, profundamente modificadora da posição social de seus fiéis, a qual situava em Brama a personificação do Absoluto, dizendo-o criador do mundo, dos deuses e dos seres em geral.  Junto a Brama, governavam o mundo, com iguais poderes o deus Vishnu, personificação do bem, além de Shiva, personificação do mal, portanto, da destruição. 
                   Sacerdotes do Bramanismo eram os Brâmanes que, na civilização dos Árias, tiveram enorme importância na vida social; porquanto eles constituíam uma casta privilegiada que, graças à sua a sapiência das coisas da religião, encontrava-se com maior autoridade sobre as outras três castas, em que estavam divididos os homens. Além destas quatro subdivisões, havia, ainda, os "párias", isto é, os impuros, considerados menos do que nada, na escala social. Foi neste contesto daquela civilização que nasceu Gautama Buda.  
                  Gado, agricultura e comércio tornavam rica a pequena e aristocrática república que se estendia aos pés do Himalaia, no Nepal, onde a estirpe dos Sakiya era responsável pela sorte de um milhão de súditos. Da capital, Kapilavatthu (índia), o regente Suddhodana, rico e nobre latifundiário, governava um exíguo número de pequenos senhores da aristocracia, orgulhosos de sua pele branca e das terras herdadas dos Arianos, uma vasta população de progressistas artesãos, um povo de servos da gleba, que o cativeiro obrigava à horrível humilhação de trabalhar por algum pagamento. Na sua corte, porém, não havia tristeza e o tempo  transcorria sereno, entre toda sorte de requintados prazeres. 
                   Em 567 a.C. Suddhodana teve, de sua esposa Maya, quando esta já passara dos 45 anos de idade e não mais esperava ser mãe, um filho ao qual pôs o nome de Siddhautta, mas que sempre foi chamado de Gautama, pois os Sakiya se orgulhavam de descender dos Gautâmidas. As lendárias biografias atribuem a maternidade de Maya a um milagre, e narram que a rainha vira , em sonho, sua criaturinha sob a forma de um pequeno elefante branco. E talvez seja esta a razão porque este animal, que é símbolo da mansidão no Oriente, e é sagrado aos budistas.
                   Gautama, como se o destino houvesse desejado que ele abrisse os olhos sobre aquela natureza que, na maturidade, iria amar muitíssimo, nasceu em um parque, quando Maya se encontrava de viagem para Koli. Uma semana depois, a mãe morreu e o menino foi entregue à sua madrinha Pajapati, que o criou e o amava tanto quanto aos seus dois filhos, um casalzinho. 
                   Por seu nascimento, Buda pertencia à casta dos kshatryas (guerreiros). Chamou-se Sákia para lembrar sua família e Gautama para recordar sua raça, cujo venerado pai era - diziam - o próprio Gautama. Só mais tarde recebeu o nome de Buda, assim como, provavelmente o de Sidarta, (aquele cujos desejos se realizam), embora se assegure que recebeu este nome quando menino. Perdeu sua mãe sete dias depois de nascer e foi confiado aos cuidados de sua tia materna, que também fora uma das mulheres de seu pai, antes da morte de Maya (Maiadevi). à medida que crescia, distinguia-se por sua formosura e sua inteligência extraordinária, e não tardou em ultrapassar a ciência dos mestres encarregados de instruí-lo. Recusava-se a tomar parte nos brinquedos próprios de sua idade com seus companheiros, e jamais estava tão contente como quando se retirava à solidão e se absorvia na meditação no fundo do bosque próximo à sua casa. Foi lá que seu pai o encontrou, um certo dia em que o supusera perdido; para impedir que se consumisse, assim, em sonhos, o rei resolveu casá-lo imediatamente. Quando os ministros lhe informaram sobre o desejo de seu pai, pediu sete dias para refletir; depois, tendo  adquirido a convicção de que nem mesmo o matrimônio poderia perturbar a calma de seu espírito, permitiu aos anciãos que lhe procurassem uma esposa. 
                   Quando o jovem príncipe, cujos lindos trajes lhe aumentavam o esplendor pondo em realce a sua beleza, completou 19 anos, casou-se com sua prima Yasodhá e com ela partilhou a sua vida real durante dez anos. 
                    De início, o pai da formosa jovem, Daudapani, não aceitou o casamento, porque haviam lhe falado do príncipe como um jovem entregue à moleza e à indolência; porém, apressou-se a dar seu consentimento, quando viu que Sidarta ultrapassava a todos os seus rivais nos exercícios do corpo e do espírito. Sua união foi das mais felizes; porém, depois, tal como antes de sua boda, o príncipe permaneceu mergulhado na meditação dos problemas da vida e da morte. "Nada há estável na terra", dizia; "a vida é uma fagulha produzida pela fricção da madeira, acende-se e apaga-se; não sabemos de onde veio nem para onde vai. A vida é como o som de uma lira, e o sábio se pergunta em vão de onde veio e para onde vai. Deve haver alguma ciência, na qual possamos encontrar o descanso. Se eu a alcançasse, poderia trazer a luz aos homens. Se fosse livre, eu mesmo poderia libertar o mundo". O rei observava atentamente à melancolia do seu filho, e tentava, mas em vão, todos os meios para afastá-lo de seus pensamentos tristes. 
                   Circundado pela afetuosa solicitude paterna, Gautama, aos 29 anos, ainda não havia conhecido nenhuma espécie de sofrimento. Mas, um dia, ao passar pelo parque com seu cocheiro Channa (assim narra a lenda), ele avistou subitamente um um velho enfermo, um pútrido cadáver, e um venerável monge mendigo; ficou muito impressionado, porque jamais imaginara que aos homens fossem reservados tamanhos sofrimentos. - Quem é esse homem? - perguntou de propósito o príncipe a seu cocheiro. É baixo e não tem forças; suas carnes e seu sangue secaram; seus músculos pegaram-se à pele, seus cabelos são brancos, seus dentes balançam, seu corpo está enfraquecido; apoiado em um bastão anda com dificuldade, tropeçando a cada passo. Isto é tipico de sua família, ou é a lei de todas as criaturas do mundo?"  "- Senhor - respondeu o cocheiro- esse homem está molestado pela velhice; todos os seus sentidos estão debilitados; o sofrimento destruiu sua força e seus parentes o abandonaram; encontra-se sem apoio; inabilitado para o trabalho, abandonam-no como á madeira apodrecia no bosque. E não é uma condição particular de sua família. Em toda a criatura a juventude é vencida pela velhice; vosso pai, vossa mãe, todos os vossos parentes e amigos terminarão pela velhice também; não há outra saída para as criaturas". "- Assim, pois - disse o príncipe - a criatura  ignorante e débil, com mau juízo, orgulha-se com a juventude que o embriaga e não vê a velhice que o espera. Quanto a mim, vou-me embora daqui. Cocheiro, faça logo voltar o meu carro. Eu, que também sou a futura residência da velhice, que tenho que ver com o prazer e a alegria?" E o jovem príncipe, voltando o seu carro, regressou à cidade, sem ir a Lumbini. 
                   Em outra ocasião, dirigia-se com numeroso acompanhamento, pela porta sul, ao jardim de recreio, quando percebeu no caminho um homem enfermo, abrasado pela febre, com o corpo marcado, sem companhia, sem abrigo, respirando com grande dificuldade, sufocado e obsessionado, ao que parece, pelo aumento da enfermidade e a proximidade da morte. Depois de haver se dirigido ao cocheiro e obtido a resposta que esperava, disse: " - A saúde é pois, como o capricho de um sonho, e o temor do mal  tem, pois, essa forma insuportável. Que homem prudente, depois de ter visto o que realmente é, poderá dai em diante ter a ideia da alegria e do prazer?" Em seguida, o príncipe fez que voltasse o seu carro e regressou à cidade, sem querer ir mais adiante. Mostrava-se profundamente decepcionado com avida que levava. 
                   Outra vez, quando também se dirigia pela porta oeste do palácio, ao jardim do recreio, quando no caminho viu um homem morto, posto no ataúde e coberto com um lençol. A multidão de seus parentes o rodeava, chorando, lamentando-se com gemidos prolongados, arrancando-se os cabelos, enchendo de pó a cabeça, batendo no peito e dando grandes gritos. O príncipe, voltando a tomar o cocheiro por testemunha daquele doloroso espetáculo, exclamou:  " - Ah! desgraçada a juventude que a velhice há de destruir! Ah! Desgraçada a vida na qual o homem permanece tão poucos dias! Ah! Desgraçada saúde que pode ser destruída por tantas enfermidades! Se não houvesse nem velhice, nem enfermidade, nem morte! Se a velhice, a enfermidade, a morte, fossem condenadas para sempre!" 
                   Depois, revelando pela primeira vez seu pensamento, o jovem príncipe acrescentou: "Voltemos atrás; tratarei de realizar a liberdade". 
                   Na corte, festejava-se, naquele dia, o nascimento de Ráhula, o primogênito de Gautama e de Yosodhá, e todos os cortesões tinham se apresentado com seus mais ricos e vistosos trajes, preparado suas mais eloquentes frases e o mais luminoso sorriso para festejar o grande acontecimento. Gautama, estarrecido ante aquilo que vira antes, não mais conseguia experimentar prazer algum, e uma intensa  mágoa o envergonhou por causa da vida que levava até então. 
                    Um último encontro acabou por decidi-lo a dissipar todas as vacilações  Saía pela porta do norte para dirigir-se ao jardim do recreio, quando viu um "bikson" (mendigo) , que parecia, em todo o seu exterior, tranquilo, disciplinado, contente, entregue às práticas de um "bramatchari" (encenação), com os olhos baixos, não fixando os seus olhares além da distância de uma jugada, com traje completo, trazendo com dignidade sua vestimenta de religioso e a bandeja de esmolas.  " - Quem é esse homem?" - perguntou o príncipe.  "- Senhor - respondeu o cocheiro - esse homem é um desses que são chamados "bikshous". Renunciou todas as alegrias do desejo e leva uma vida muito austera. esforça-se por dominar a si mesmo e faz-se religioso. Sem paixão, sem inveja, vi pedindo esmolas." "- isso é bom e está dito bem - respondeu Sidarta. Professar  numa religião sempre foi louvado pelos sábios. Será meu recurso e o recurso de outras criaturas. Será para nós fonte de vida, de felicidade e de imortalidade". 
                  Em seguida, o príncipe, tendo feito que seu carro voltasse, entrou na cidade sem ver Lantonin. Sua resolução estava tomada. 
                   Depois de haver declarado ao rei e à sua mulher a sua intenção de retirar-se do mundo, Buda preparou-se para abandonar o palácio. Na mesma noite, enquanto todos estavam dormindo, ele partiu; talvez, como diz a lenda, o fiel Channa acompanhou-o até as fronteiras do reino, talvez tenha seguido sozinho, dirigindo-se por entre as trevas até a atual Rajgir - (Rajagarra- Índia). Ali, na solidão, nas grutas circundantes à cidade, viviam numerosos acetas (homens que renunciam aos prazeres terrenos da vida) que, confiando na caridade do próximo, nutriam-se de esmolas e transcorriam as horas do dia  e da noite em perene penitência e forte meditação.  Abandonando os ornamentos reais, Gautama vestiu a roupa humilde do asceta, e a rica bagagem, que costumava levar consigo em suas viagens, substituiu por outra, bem mais simples, a de mendigo: uma caneca para esmolas, uma navalha, uma agulha e coador para filtrar água.  Assim vestido, ficou semelhante aos demais anocoretas (monges ou eremitas) ;com estes, ele também tinha em comum o desejo de uma vida mais espiritual, mas ainda não se sentia preparado para a vida religiosa.  E foi por este motivo que, nos primeiros tempos, Gautama quis ser discípulo de dois mestres da vida religiosa, dois "brâmanes", para que lhe ensinassem como chegar, através do martírio do corpo,  à "suprema clarividência"; este feliz momento, que nem todos os ascetas conseguiam alcançar, era um estado de alma estático, muito próximo da catalepsia e da inconsciência. 
                   À época em que Gautama Buda se entregou à vida religiosa, o Bramanismo estava passando por profunda crise, porque os homens mais evoluídos tinham começado a duvidar do poder dos sacerdotes, pois estes, na verdade, exercitavam artes mágicas que os faziam parecer mais feiticeiros de tribos primitivas do que expoentes de uma civilização superior; pretendiam saber dobrar à sua vontade os deuses, mas, ao mesmo tempo, nem sempre sabiam responder satisfatoriamente aos grandes interrogatórios sobre o BEM e o MAL, sobre a existência da alma e sobre a eternidade, dúvidas que sempre atormentaram e ainda atormentam  o espírito  do homem religioso.  Aconteceu, pois, que muitos jovens, frequentemente oriundos das melhores famílias, abandonaram a religião oficial, personificada pelos brâmanes, e procuraram, seguindo este ou aquele homem que julgavam mais sábio, alcançar  por si sós a explicação dos grandes problemas da vida. Aprofundando um princípio que já estava inscrito no Bramanismo, segundo o qual era necessário meditar longamente  e sacrificar o próprio corpo, para chegar à Verdade, eles se isolaram da sociedade, tornaram-se ascetas ou anacoretas, e passaram a mortificar de tal forma o próprio corpo, com jejuns e suplícios, que praticavam verdadeiros atos de heroísmo; somente assim, de fato, pensavam eles, sua alma seria totalmente purificada. 
                   Analisando a história, sem a influência das paixões, pode-se dizer que Gautama Buda foi um desses jovens que aderiu a uma nova forma de procurar a verdade absoluta na bondade infinita de Deus Universal. 
                   Buda, depois de muitos estudos, compreendera que nem as doutrinas nem as autoridades do brâmanes contribuíram em nada  para realizar a emancipação do homem nem para libertá-lo do temor da velhice, da doença e da morte. Depois de longas meditações e muitos êxtases, acreditou, por fim, ter chegado a essa compreensão suprema que descobre a causa de todas as mudanças inerentes à vida e destrói, ao mesmo tempo o temor a essas mudanças. A partir desse momento  tomou o nome de "Buda", que quer dizer "o iluminado". Hoje, passados mais de 26 séculos, podemos dizer, na verdade, que esse dia decidiu o destino de milhares de homens. Durante algum tempo, Buda perguntou-se, duvidando, se deveria guardar sua ciência ou comunicá-la ao mundo. Sua compaixão pelo sofrimento do homem foi mais forte, e o príncipe converteu-se no fundador de uma religião que, depois de tantos séculos, continua sendo seguida por milhões de seres humanos. 
                    O elemento mais importante da reforma budista sempre foi seu código social e moral, não suas teorias metafísicas. Esse código moral, considerado em si mesmo, é um dos mais perfeitos que se tem conhecido no mundo. O código budista não contém apenas os cinco grandes mandamentos de não matar, não roubar, não cometer adultério, não mentir, não embriagar-se. Encerra preceitos especiais contra todos ps matizes do vício, contra a hipocrisia, a cólera, o orgulho, as suspeitas, a avidez, as conversações ociosas, a crueldade com os animais. Entre as virtudes, cuja prática recomenda, o budismo, não somente encontramos o respeito aos pais, o cuidado dos filhos, a submissão à autoridade, o agradecimento aos benfeitores, a moderação na boa sorte, a resignação nos momentos de prova, a igualdade de espírito em todos os momentos; vemos também preceitos que não se encontram em nenhum outro código de moral como, por exemplo, perdoar as injúrias e não devolver o mal com o mal. 
                     Buda não rejeitava a crença na vida futura, que tem proporcionado armas tão poderosas para agir sobre os sentimentos religiosos e o comportamento dos homens. Tenho, para tanto, a convicção de que ele sabia que se esta vida, tarde ou cedo, há de acabar no nada, não valeria a pena  ter tanto trabalho e nem teria imposto tantos sacrifícios a seus discípulos. 
                     Somos todos parte de um universo em constante mutação. O mal que fazemos a qualquer ser, animal, vegetal ou mineral, repercutirá na nossa forma de vida.
Nicéas Romeo Zanchett 
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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A REFORMA PROTESTANTE Por Nicéas Romeo Zanchett


A REFORMA PROTESTANTE 
Por
Nicéas Romeo Zanchett 
                    Com o Renascimento houve o reflorescimento da inteligência humana, porém não pode escapar ao perigo que traz consigo uma espécie de eclosão, que é o progressivo  alheamento das aspirações profundas, primitivas e puras do coração. Dedicando-se aos cintilantes efeitos do engenho, desejavam que os verdadeiros anseios se fundissem num funesto materialismo. 
                   Enquanto Carlos V e Francisco I batalhavam pela glória da própria coroa e pela posse de algum pedaço de território, conservando o mundo em armas e saqueando as pacíficas cidades da Itália e de Flandres, outra tempestade, e muito mais grave, se adensava sobre a Europa; uma guerra curialesca e togada, combatida por homens mais afeitos à pena do que à espada, mas anunciadora de grandes e sangrentos eventos. 
                   Entre o mundo germânico e o latino, jamais houvera muita amizade, mesmo no campo religioso; muitos bispos alemães mal toleravam a autoridade de Roma, seja por cego nacionalismo seja por contrastados interesses políticos. O fausto da corte pontifícia irritava a muitos, que viam
nisso uma evidente discordância dos preceitos evangélicos; a rigidez dogmática do Catolicismo, o absoluto princípio  de obediência e de hierarquia, que constitui a inabalável estrutura da Igreja, pareciam algo incômodo a quem da própria Igreja não lhe sentia íntima  grandeza. Todos esses fatores e outros de caráter mais pessoal, agiram quase que inconscientemente sobre  aquele obscuro monge agostiniano, Matinho Lutero, um jovem de trinta e cinco anos, de quem improvisadamente se começou afalar, em fins de 1517. 
                   Quem realmente quiser compreender a reforma protestante ou reforma luterana e calvinista, é indispensável, antes, entender a crise cristã e o seu desenvolvimento durante o papado de  Leão X.  
                   Martinho Lutero, desde muito tempo, antes das suas proposições heterodoxas, havia suscitado algumas apreensões entre seus superiores. Em sua viagem a Roma em 1510, tinha experimentado a indiferença, a frivolidade dos sacerdotes, e os vícios da corte pontifícia. Contudo, é falsa a teoria de que diz ser este religioso, cheio de zelo, um reformador da Igreja. Se mais tarde vem a querer endireitar, corrigir, suprimir os abusos, é porque na origem desses abusos pensa encontrar um erro, um "pecado espiritual", a doutrina maldita da salvação pelas obras. Por essa doutrina, diz ele, a Igreja impõe fardos arrasadores sobre os ombros de seus fiéis, e como estes não podem suportá-los, lhe propõe a substituição desses fardos por obras impossíveis; mentiras para convencer os fiéis a suportarem tudo silenciosamente. 
                   É esta mentira que Lutero denunciará no primeiro grande fato da reforma luterana; o negócio das indulgências. Este comércio começara em 1515. Para pagar a construção da Igreja de São Pedro em Roma, o papa Leão X organizara, especialmente na Alemanha, pátria de Lutero, a venda de indulgências plenárias que asseguravam aos compradores o perdão de seus pecados e das penas temporais devidas por esses pecados; a absolvição, uma vez na vida, e em caso de morte, de qualquer espécie de pecado; a redução de pena para as almas  do purgatório. Sobre esta frutífera venda, alguns príncipes alemães cobravam uma comissão. Lutero, como sacerdote, pudera constatar  no confessionário, o perigo espiritual que trazia este mercado; discutia e duvidava da legitimidade da doutrina de salvação em que tal comércio implicava. 
                    Lutero, irritado pelos abusos cometidos por alguns pregadores dominicanos, atacou publicamente a doutrina das indulgências papais, estendendo aos poucos suas críticas a outros dogmas e enunciando princípios que sacudiam  as próprias bases do edifício católico. Em 31 de outubro de 1517, sobre a porta da capela do castelo de Wittenberg, apareceu afixado um amplo manifesto; eram as "95 teses", que resumiam a doutrina do monge rebelde, suficientes para fazer acusar seu autor de heresia. 
                    A reação das autoridades eclesiásticas e do próprio Pontífice, logo informado do acontecimento, foi nítida e decidida; Lutero foi convidado a retratar em bloco suas posições. Mas, por detrás de Lutero, alinhavam-se os senhores que tencionavam  apoderar-se dos bens eclesiásticos, o povo que se  exaltava com aquela vaga aura de socialismo que pairava  nas doutrinas luteranas, muitos estudiosos e teólogos alemães,  a quem pesava a dependência espiritual de Roma. 
                     Martinho Lutero tinha, física e moralmente, o estofo inconfundível de chefe e de combatente; maciço de corpo, sanguíneo, egocêntrico até à presunção, tão poderoso no ataque quanto agudo e genial na discussão, o monge encontrou-se perfeitamente à vontade no papel de reformador. Quando Leão X o ameaçou de excomunhão, caso não se retratasse de suas afirmações, ele queimou, na presença do povo, a bula pontifícia. Esse ato teve um incalculável alcance; o cisma estava declarado e o ex-monge herege tornou-se o fundador de uma seita que  já contava com numerosos adeptos, em toda a Alemanha.  Acenar aqui e acolá, ainda que superficialmente, à substância teológica da doutrina luterana não é, naturalmente, possível; basta dizer que ela negava a autoridade da Igreja sobre textos sagrados, confiando a interpretação ao leitor ( na realidade, Lutero impunha sua interpretação); reduzia os sacramentos, a liturgia, a veneração pelos santos, a simples superstições, afirmava que unicamente a fé em Cristo bastava para garantir o "Paraíso", mesmo ao mais impenitente e calejado pecador.  "Seja pecador e peque fortemente, mas creia fortemente", escrevia Lutero ao seu discípulo Melantone.  A perturbação das consciências, ente essas teorias, era enorme; Já o próprio imperador Carlos V, embora ameaçando, não pode assumir uma atitude decidida, visto que grande parte de  seus súditos estava contra a Igreja. Muitos príncipes, que até tinham abraçado as novas doutrinas, "protestaram" publicamente, em 1524, contra o edito, daí veio o nome de "Protestantes" dado aos Luteranos. 
                    Martinho Lutero estava, no entanto, muito ocupado em esclarecer seus  pensamentos (o que, na realidade, jamais conseguiu); escrevia volumes e opúsculos eficazmente polêmicos, embora pouco persuasivos, e dedicava-se àquela esplêndida tradução da Bíblia, que foi a base de toda a literatura alemã, atém então praticamente inexistente. Além de ter sido o criador da língua literária, Lutero foi autor de muitos belos cânticos religiosos.
                    Uma grande voz cristã acabava de se levantar. Falava de Deus, de seu amor, da salvação, da Igreja, de uma maneira diferente, que não lançava as almas numa angústia invencível e eterna. Aquela voz, como não poderia ser diferente, provocou ecos em toda a vida religiosa cristã. 
                    Nos últimos anos, viveu pacificamente, sempre escrevendo e pregando, rodeado de filhos (casara-se em 13 de janeiro de 1525 e de discípulos, protegido pelas armas e pelo prestígio do "eleitor" da Saxônia.  Morreu em 1546, em Eisleben; um ano antes, Paulo II instalara o Concílio de Trento, que, além de reconduzir a Igreja a uma vida  mais consentânea com os princípios do Cristianismo, iria opor uma válida defesa para aquela que ficou conhecida como a heresia luterana. Infelizmente, porém, a unidade dos católicos fora irremediavelmente partida. 
                    A originalidade de Lutero é seu protestantismo, isto é, a decisão de colocar o problema humano do destino em função apenas de Deus; isto é, não apenas a decisão de colocá-lo nestes termos, com inflexível rigor contra o humanismo puro do Renascimento e o humanismo desvitalizado do catolicismo; é a convicção crua, firme, mantida ante todos e ante si mesmo, de que esse problema único está resolvido plenamente no Evangélio de Jesus Cristo, alcançado apenas pela fé do crente. 
                    É a fé de Lutero que temos de conhecer  se quisermos conhecê-lo. 
                      A Igreja que leva seu nome conta, no mundo inteiro, com milhões de fiéis, e todos os cristãos que pertencem a qualquer uma das correntes religiosas oriundas  da Reforma sabem quanto devem a este genial iniciador. Nisto concordam tanto aqueles que tentam denegri-lo como aqueles que o exaltam. 
                     Hoje, já não se pode duvidar de que os objetivos de Lutero era o bem de todos baseado nos reais princípios de Cristianismo. Infelizmente, a Igreja Protestante, no decorrer de seu desenvolvimento, foi absorvendo pessoas inescrupulosas, verdadeiros estelionatários, cujos objetivos são unicamente explorar os menos favorecidos intelectual e financeiramente. Milhares de Igrejas, que se denominam "Protestantes", estão espalhadas pelo mundo praticando todo o tipo de anti-cristianismo. Mas precisamos ser sábios para separar o "joio do trigo".  Muitas são aquelas que realmente procuram conduzir seus fiéis, sem explorá-los, nos princípios que Cristo pregava sem lhes cobrar dízimos. Cabe aqui lembrar que foi basicamente contra a exploração financeira que Lutero se rebelou. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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