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domingo, 28 de julho de 2013

PREGAÇÕES DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS -


PREGAÇÕES DE SÃO FRANCISCO DE ASIS 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
BREVE BIOGRAFIA 
                     S. Francisco de Assis, fundador da ordem franciscana, nasceu em Assis , o Éden da península itálica, em 1182; era filho de um comerciante que sonhava com uma alta posição na côrte para seu filho. Jovem, alegre, fino e espirituoso; e embora estudasse pouco, trabalhava com luxo na tenda de seu pai e a todos agradava. Cresceu entre telas provençais  e tecidos toscanos da tenda  paterna, na abundância que sempre proporciona uma grande fortuna. Desde cedo revelou-se hábil para os negócios, "mais ladino inda que o seu pai"; mas via com desprezo a avareza e logo começou a chamar a atenção por sua prodigalidade. Em suas veias corria o sangue
provençal de sua mãe. Ávido de gozos e prazeres, era o jovem mais boêmio da cidade. Tinha estatura média, era moreno e não muito bonito; entretanto, dotado de uma simpatia irresistível, o que lhe valeu o cetro da elegância entre aquela juventude inquieta que consumia o tempo entre torneios de cavalaria e os sutis prazeres da alegre ciência dos trovadores. 
                      Mas já naquela época, juntamente com as festas, tinha outros dois amores: o dos pobres e o da natureza. Não era desses egoístas que não tem um centavo para dar  a um mendigo, mas tem muito para gastar tudo numa boemia. Exatamente por isso, sentiu-se profundamente ferido quando, em determinada ocasião, estando a tenda de seu pai  repleta de clientes, e ele muito ocupado em atendê-los, viu ir embora um pobre mendigo sem ter recebido a esmola pedida. A partir daquele momento decidiu socorrer  quem quer que viesse pedir algo "pelo amor de Deus."
                      Aos vinte anos  foi feito prisioneiro por defender sua pátria contra Perusa. No cárcere surpreendia seus companheiros com seus cantos transbordantes de alegria. - "Não sabeis - exclamava - que me espera um grande futuro ?" Era então um discípulo do entusiasmo cavalheiresco, preenchido de visões douradas de guerras, vitórias e principados. Às vezes seus companheiros o despertavam de seus devaneios com expressões como esta: 
                     - Eh! Francisco! Sonhas com algum casamento? 
                     - Efetivamente - respondia ele; - mas a senhora dos meus pensamentos é mais nobre, mais rica, mais bela que todas as donzelas que conheceis. 
                     Estas palavras tinham já um sentido que aqueles jovens não podiam entender. 
                     Aos vinde e dois anos, teve uma doença que o levou às portas da morte e mudou completamente os seus ideais; começou a aspirar uma vida de sacrifício, a tratar dos pobres e dos doentes, e mesmo dos leprosos. De vez em quando desaparecia de casa, mas não para folgar com seus amigos, e sim para esconder-se em lugares ermos; andava inquieto por conhecer a vontade de Deus; de pródigo se transformara em menosprezador do dinheiro. Quando não lhe restava mais nenhuma moeda no bolso, dava aos pobres alguma peça de sua roupa, o chapéu, o cinto e até a camisa. Quis saber também o que era pedir esmola; foi em peregrinação a Roma, depôs tudo o que tinha no altar de São Pedro, e reuniu-se a um grupo de mendigos, dando em esmolas tudo quanto recebia. Dizem que falava francês quando se sentia feliz, e nestas horas, viam-no pedir esmola em francês. 
                     Certa vez ia a cavalo, absorto em suas meditações, quando de repente, a poucos passos, havia um leproso. Naqueles tempos esta doença era a coisa que mais horrorizava o mundo. Teve o ímpeto de voltar, mas logo dominou-se. Resolutamente, desceu do cavalo, aproximou-se do leproso cujo nariz e lábios, já putrefatos, exalavam terrível mau cheiro, depositou sua esmola na mão carcomida pela doença e, reprimindo a náusea, beijou os dedos repletos de úlceras. 
                     Os habitantes de Assis viam-no frequentemente orando em São Damião, uma pobre igreja dos arredores da cidade, cercada de plantações de feijão e de oliveiras. Gostava de ali ficar em solidão diante do Cristo bizantino  que lá havia.  Conta-se que um dia Cristo abriu  os lábios e o jovem ouviu estas palavras; "Francisco, repara minha casa". Decidindo a obedecer àquele, que imaginou ser um "mando divino", Francisco tomou sua mula, foi até a tenda de seu pai, e lá carregou-a com quadros e tecidos, dirigindo-se, em seguida a Foligno. Em pouco tempo encontrou quem lhe comprasse toda a sua mercadoria e o animal. Apresentou-se então ao clérigo encarregado da igreja e entregou-lhe a importância que conseguira. Este procedimento, evidentemente, não podia ser do agrado de seu pai, além do que, o velho mercador se sentia humilhado pela atitude de seu filho que considerava extravagante. 
                     Um dia Francisco chegou em casa pálido, extenuado, mal vestido, sujo, desgrenhado e ensanguentado. Os garotos da rua e malandros, rodearam-no dizendo: 
                     - Ei! Bernadone!... Olha seu filho, formoso cavaleiro, que acaba de chegar  depois de conquistar uma princesa. 
                    Envergonhado e enraivecido, o velho mercador trancou-o num sótão escuro, no qual permaneceu até que sua mão o soltou, na ausência de seu pai, naturalmente. 
                     Depois do episódio da venda em Foligno, já não era mais possível, para seu pai, tolerá-lo. Pedro Bernadone, dirigiu-se à casa episcopal, queixando-se de seu filho e pedindo a restituição de seu dinheiro.  Nessa ocasião, pai e filho compareceram diante da primeira autoridade religiosa da cidade. O jovem ouviu a queixa do seu pai, e depois - maravilha única no mundo - retirando-se para um lado, desfez-se de sua preciosa roupa escarlate, sereno e com os olhos brilhantes, levando apenas uma faixa na cintura, voltou dizendo: 
                     - Até agora chamei pai a Pedro Bernadone, mas neste momento entrego-lhe todo o dinheiro e roupas que dele tinha; assim, de hoje em diante não terei mais de dizer: pai Pedro Bernadone! e sim Pai nosso que estai nos céus! 
                     Em seguida saiu do palácio, coberto com um mísero tabardo (casaco medieval) do jardineiro do bispo. 
                     Começa então uma vida nova para o magnânimo mancebo.  Está finalmente convencido de que a dama de seus pensamentos  não pode ser outra coisa além da pobreza.  Com ela passa a viver nas cavernas e no deserto, e dali é que sai para fazer seus sermões pelas vilas e aldeias de um pregador da penitência, da paz, e da simplicidade e pobreza em Cristo. 
                    - Quem vem lá? - perguntam-lhe uns ladrões. 
                    - O arauto do grande rei! - responde ele. 
                    Um dia, no início do século 13, enquanto toda a cristandade gemia, sofrendo com o escandaloso espetáculo da Quarta Cruzada, na qual o demônio das riquezas e da ambição desviara completamente  de sua finalidade os cavaleiros que tinham sido armados para libertar o sepulcro de Cristo, Francisco percebeu com mais clareza seu destino ao ouvir, durante a missa, aquelas palavras do salvador que dizem: "Não tenhais nem ouro nem prata em vossos bolsos, nem saco para a viagem, nem sandálias, nem bastão". "Isso é o que desejo com todas as minhas forças" - exclamou. Desde então levou ao pé da letra  este preceito à prática, percorrendo povoados e cidades, sempre radiante de alegria, vestido com uma túnica de pesado tecido cinzento, com uma corda como cinturão. 
                     Entre 1208 e 1209, fundou a famosa ordem mendicante. A ordem feminina correspondente é a das Irmãs  Claras. Finalmente uma terceira ordem, os Terceiros, ou Irmãos da Penitência, destinada àqueles sem vocação para uma vida exclusivamente religiosa. Visitou a Espanha, a Turquia e a Terra Santa, sempre pregando o Evangélio da pobreza. Morreu em 1226. 
                      

                      Como São Francisco recebeu o conselho de Santa Clara e do Santo Frei Silvestre, para que fosse pregar e converter o povo; e criou a Ordem Terceira e pregou às aves e fez calar as andorinhas. 
                    Aquele humilde servo de Jesus Cristo, São Francisco, pouco depois de sua conversão, tendo já reunido muitos companheiros e tendo-os recebido na Ordem, caiu em profundo pensamento e em graves dúvidas sobre o que devia Fazer;  se deveria dedicar-se inteiramente à oração, ou se deveria às vezes pregar; e neste assunto muito desejava conhecer a vontade de Deus. E por quanto a humildade que nele havia, não o deixava confiar só em si mesmo e nas suas orações; tentou saber a vontade divina por intermédio das orações de outros; Por isso chamou Frei Máximo e lhe disse: 
                     - Ide ter com a irmã Clara e dizei-lhe que, com as suas companheiras mais espirituais, devotamente rogue a Deus que me revele se é melhor que eu me dedique a pregar, ou apenas a orar. E ide depois com Frei Silvestre e dizei-lhe as mesmas palavras. 

                    Este era aquele Mestre Silvestre que vira sair da boca de S.Francisco uma cruz de ouro, que era tão alta como os céus e tão larga como os confins da terra. E tais eram a devoção e a santidade deste Frei Silvestre, que tudo que pedia a Deus lhe era dado, e muitas vezes falou com Deus: e, contudo, também São Francisco tinha grande devoção. 
                    Frei Máximo pôs-se a caminho, e, segundo mandara São Francisco, foi ter primeiro com Santa Clara e depois com Frei Silvestre; o qual, assim que o ouviu, imediatamente se pôs a rezar, e, rezando, ouviu a voz divina, e virando-se para Frei Máximo, lhe disse: 
                   - Assim diz o Senhor e o repetireis a São Francisco: que Deus não o chamou a este estado só por sua causa, mas para que possa fazer colheita de almas e salvarem-se muitos por intermédio dele. 
                  Com esta resposta voltou Frei Máximo para junto de  Santa Clara, para saber o que Deus lhe dissera. E ela respondeu que tanto ela como as companheiras haviam recebido de Deus resposta igual à que Frei Silvestre recebera.  Com isto voltou Frei Máximo para junto de São Francisco;  e São Francisco recebeu-o com o maior afeto, lavando-lhe  os pés e pondo a mesa para ele jantar. E depois dele comer, São Francisco  levou Frei Máximo para o bosque denso, e ali ajoelhou diante dele, e encobrindo o rosto com o capuz, cruzou os braços e perguntou-lhe: 
                  - Que manda o meu Senhor e Mestre, Jesus Cristo, que eu faça? 
                  Frei Máximo respondeu: 
                  - Tanto a Frei Silvestre, como à irmã Clara e às suas irmãs, Cristo respondeu e tornou claro que deveis ir pregar pelo mundo; porquanto não o chamou por vossa causa somente, mas também por causa da salvação dos outros. 

                   E então São Francisco, tendo ouvido esta resposta e por ela sabendo a vontade de Jesus Cristo, levantou-se com o maior fervor, dizendo: 
                   - Ponhamo-nos a caminho, em nome de Deus.
                   E tomou por companheiros Frei Máximo e Frei André, ambos eles homens de santa vida; e saindo a caminho, cheios das coisas do espírito, sem pensar na estrada ou direção que tomavam, chegaram a um castelo que se chama Savurniano, e São Francisco começou a pregar; e 
primeiro mandou as andorinhas, que estavam a cantar, que se calasse enquanto ele pregava; e as andorinhas obedeceram; ele pregou ali com tal fervor que toda a gente naquele castelo o queria seguir por devoção e abandonar o castelo; o que São Francisco lhes proibiu, dizendo: 
                    - Não tenhais pressa e não partais, que eu mandarei tudo o que tendes a fazer para a salvação das vossas almas. 
                    E foi nessa ocasião que criou a Ordem Terceira, para a universal salvação de todos os homens; e tendo deixado muitos consolados e dispostos à penitência, saiu dali e dirigiu-se para Cannajo e Bevagno. E indo no seu caminho com o mesmo fervor, ergueu os olhos e viu certas árvores à beira da estrada, onde havia uma infinita multidão de aves; do que São Francisco muito se admirou, e disse aos seus companheiros: 
                    - Esperai-me aqui na estrada, que vou pregar às minhas irmãs as aves. 
                    E entrou no campo e começou a pregar às aves que estavam no chão; e de repente as que estavam nas árvores desceram, e quantas ali estavam se conservaram silenciosas enquanto São Francisco lhes pregou; e mesmo assim não se retiraram antes de ele lhes ter dado a sua bênção.  E conforme depois contou Frei Máximo a Frei  Jaime de Maffa, São Francisco, passando entre elas, tocou-lhes com a capa, mas nenhuma se moveu.  A súmula do sermão de São Francisco foi esta: 
                    - Minhas irmãs aves, muito deveis a Deus vosso  criador, e sempre e em toda a parte é vosso dever louvá-lo, por quanto vos deu liberdade para em toda a parte voardes;  e também vos deu vestes duplas e quase triplas; porque conservou a vossa semente na arca de Noé, para que vossa raça nunca se extinguisse. Também lhes deve gratidão pelo elemento do ar, que ele vos destinou; mais ainda, vós não semeais nem colheis; e Deus vos alimenta e vos dá rios e fontes para matar a vossa sede; dá-vos montanhas e vale para vosso refúgio; árvores altas onde construir os vossos ninhos; e não fiais nem teceis, senão que vos vestiu Deus, a vós e a vossos filhos; por isso deveis amar muito o vosso Criador, que vos dá tão grandes benefícios; e cuidai portanto,  irmãs, em não cair no pecado da ingratidão, e fazer sempre por louvar a Deus.
                    Dizendo-lhe isto, São Francisco, quantas aves ali estavam começaram abrir os bicos e a estender os pescoços e a abrir as asas e a inclinar as cabeças reverentemente para o chão, e pelos seus atos e cantos  a mostrar que o Santo lhes causava a maior alegria; e São Francisco com elas se regozijou  grato e maravilhado de ver tão grande  multidão de aves, e a beleza da sua variedade, e a sua familiaridade e atenção; por isto tudo louvou devotadamente o Criador. 
                    Finalmente, acabado o seu sermão, São Francisco fez o sinal da cruz e mandou-as partir; e então todas elas subiram ao ar com cantos maravilhosos; e depois, consoante a cruz que São Francisco lhes fizera, dividiram-se em quatro bandos; e um foi para leste, e outro para oeste, e outro para  o sul, e outro para o norte, e cada bando, ao afastar-se, ia cantando cantos de maravilhar; significando por isto como São Francisco, mensageiro da cruz de Cristo, lhes tinha vindo pregar, e as tinha abençoado com o sinal da cruz, segundo o qual ela se tinham espalhado pelos quatro pontos do mundo. Assim foi a pregação da cruz de Cristo renovada por São Francisco, levada por ele e por seus irmãos a todo o mundo; os quais irmãos,  assim como as aves, não possuíam nada de bens deste mundo, mas entregavam a sua vida unicamente à providência divina. 

                   Esta narração - fábula - da pregação de São Francisco para os animais - nos mostra que precisamos de muito pouco para viver feliz; que de nada vale o acumulo de bens materiais terrenos; que apenas precisamos amar todos que encontramos pelo caminho. O Papa Francisco, que ainda está entre nós, disse: "Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso possuo, Jesus Cristo." Ele nos deu a mensagem da simplicidade, para que não caiamos nas garras da ganância e da vaidade.
Nicéas Romeo Zanchett
                   .
                                                  A CONVERSÃO DO LOBO FEROZ 
                  "Do altíssimo milagre que operou São Francisco quando converteu, em Gubbio, o lobo ferocíssimo."  
                  No tempo em que São Francisco morava na cidade de  Gubbio, apareceu naquela região um lobo muito grande, terrível, e ferocíssimo, o qual devorara, não só animais, mas também homens; e por isso todos os cidadãos daquele lugar viviam em grande terror dele; porque muitas vezes vinha até muito perto da cidade; e ninguém que o encontrasse a sós se podia de modo algum defender.  E tão grande era o terror deste lobo, que ninguém ousava sair  para o campo.  Por isso São Francisco, compadecendo-se dos homens daquela terra, desejou ir ter com esse lobo, - ainda que todos os cidadãos quisessem dissuadi-lo - e fazendo o sinal da santíssima cruz, saiu para o campo, ele e os seus companheiros, pondo toda a sua confiança em Deus. E os outros, duvidando se deviam prosseguir, São Francisco foi sozinho para o lugar onde estava o lobo. E eis que, vendo tantos cidadãos, que tinham vindo acompanhar o milagre, o tal lobo veio ao encontro de São Francisco com a boca aberta; e ao aproximar-se dele, São Francisco fez o sinal da cruz, e chamou por ele dizendo: 
                   - Vinde cá, irmão lobo; eu vos ordeno em nome de Jesus Cristo, que não façais mal nenhum, nem a mim nem a outro homem qualquer.
                   Maravilhoso de contar! Mal São Francisco tinha feito o sinal da Cruz, o terrível lobo fechou a boca e deixou de correr; e ouvindo outra ordem, veio mansamente como qualquer cordeiro e deitou-se aos pés de São Francisco. E então São Francisco dirigiu-lhe a palavra, dizendo: 
                   - Irmão lobo, sois muito daninho nesta terra, e tendes feito grande mal, matando e devorando as criaturas de Deus sem a sua soberana permissão. E não só tendes morto e devorado animais, mas tendes ousado matar homens, feitos à imagem de Deus; pelo qual sois digno da forca, como qualquer ladrão ou traiçoeiro assassino; e toda a gente grita e fala contra vós, e todos desta terra vos são contrários. Mas quero irmão lobo, fazer as pazes entre vós e eles para que não os ofendais mais, e eles vos perdoarão o mal que tendes feito, e nem homens nem cães vos tornarão a perseguir. 
                   Ditas esta palavras, mostrou o lobo pelos movimentos do corpo, da cauda e dos olhos, e pelo abaixar da cabeça, que aceitava o que São Francisco dissera e desejava  observá-lo. Então São Francisco lhe tornou:
                   - Irmão lobo, visto que vos apraz fazer e manter estas pazes, eu vos prometo que cuidarei em que vos seja dado de comer, enquanto viverdes, pelos homens desta terra, de modo que não sofrais fome; porque eu bem sei que foi a fome que causou todo os vossos crimes. Mas visto que eu vos obtenho este favor, exijo, irmão lobo, que me prometais nunca mais tornar a fazer mal a nenhum homem e a nenhum animal.  Prometeis? 
                  E o lobo, abaixando a cabeça, deu sinal evidente de que assim prometia. 
                  E são Francisco disse mais:
                  - Irmão lobo, desejo que me dês uma garantia da vossa promessa, ainda que tenha toda a fé na vossa lealdade.
                  E tendo São Francisco estendido a mão, o lobo levantou a pata direita e colocou-a sem receio na mão de São Francisco, dando-lhe assim, conforme pôde, uma garantia da sua boa fé.  E então disse São Francisco:
                  - Irmão lobo, eu vos convido em nome de Jesus Cristo que me sigas sem duvidar, e iremos concluir esta paz em nome de Deus. 
                  O lobo obedientemente o seguiu, como um cordeiro, de modo que os cidadãos, vendo isto, ficaram muito admirados. E em pouco tempo a notícia espalhou-se por toda a cidade, de modo que o povo, homens e mulheres, grandes e pequenos, novos e velhos, se apinharam na praça a ver o lobo com São Francisco.  E estando ali todos reunidos, levantou-se São Francisco e começou a pregar-lhes, dizendo entre outas coisas: 
                  - Porquanto, por vossos pecados, permitiu Deus varias coisas más e pestes, e muito mais perigosas, como são as chamas do inferno, que duram eternamente para os condenados, as quais todas são piores do que a ferocidade do lobo, que só pode matar o corpo; ora, deviam mais temer a boca do inferno, do que a boca dum pequeno animal que consegue amedrontar e alarmar tão grande multidão! 

     "Aqui, São Francisco estava se referindo à grande peste que se abatia sobre a humanidade, que na época a Igreja considerava tratar-se de um castigo de Deus pelos pecados cometidos."

                  Virai-vos, pois, amados irmãos, para Deus, e arrependei-vos sinceramente dos vossos pecados, que Deus vos livrará do lobo no presente, e do fogo do inferno no futuro. 
                   E tendo pregando, São Francisco disse: 
                   - Escutai, irmãos: o irmão lobo, que aqui está diante de vós, prometeu-me e deu-me uma garantia de sua boa fé que fará as pazes convosco e nunca mais vos ofenderá em qualquer coisa que seja; e deveis prometer que de hoje  em diante lhe dareis tudo o que lhe é preciso, que eu ficarei seu fiador, para garantir que ele cumprirá rigorosamente a sua paz. 
                   Então todo o povo, a uma só voz, prometeu dar-lhe sempre de comer. E São Francisco, diante deles todos, disse ao lobo: 
                   E vós, irmão lobo, prometeis guardar a paz para com este povo, e não tornar a molestar homens, animais e quaisquer outras criaturas? 
                    E o lobo, ajoelhando-se diante dele, baixou a cabeça e com movimentos de submissão, do corpo, cauda e orelhas, mostrou conforme pode que cumpriria todas as suas promessas. 
                    São Francisco disse: 
                    - Irmão lobo, quero que assim como me destes uma garantia dessa vossa promessa, aqui diante dese povo me deis uma garantia de vossa boa fé e que não traireis  a minha promessa e a garantia que dei por vós. 
                     Então o lobo, levantando a pata direita, colocou-a na mão de São Francisco. Ao ver isto houve tal regozijo e admiração entre o povo, e todos começaram a gritar aos céus, louvando a deus por lhe ter mandado São francisco, que por suas grandes virtudes os tinha livrado da boca daquela fera. E depois, o tal lobo viveu dois anos em Gubbio, entrando mansamente em todas as casas , indo de porta em porta, não fazendo mal a ninguém que também não lhe faziam mal algum. Era muito bem alimentado pelo povo; e andando assim pela terra e de porta em porta, não havia cão nenhum que lhe ladrasse. Por fim, passados dois anos, o irmão lobo morreu de velho; e os cidadãos choraram muito, por quanto, vendo-o andar tão mansamente pela cidade, sempre lhes lembrava a virtude e a santidade de São Francisco.

                   Esta fábula da idade  media, foi contada de geração em geração até os nossos dias. Com ela, São Francisco quis mostrar a todos que o lobo, já velho e sem poder caçar como antes, atacava animais domésticos e pessoas pelo simples instinto de sobrevivência. Ainda hoje vemos pessoas indo cumprir pena na cadeia por ter furtado um litro de leite no supermercado para alimentar seu filho; e, ao mesmo tempo, assistimos a corrupção política roubando impunemente. É essa a grande causa de impostos exageradamente altos que, especialmente no Brasil, pagamos para garantir a mordomia dos políticos e seus apadrinhados.
                   É oportuno lembrar que todos pagamos, pobres e ricos. Quando compramos um simples litro de leite, no seu preço vem embutido uma enorme parcela que vai para o governo. Deveria ser utilizada  em benefício de todos, mas a má gestão do dinheiro público e a corrupção são as feras que nos devoram. 
                    Hoje, 28 de julho de 2013, estamos nos despedindo do Papa Francisco. Durante toda a semana que conosco esteve, ele nos alertou, especialmente os jovens, a nunca desistir de lutar pelos nossos direitos. 
                   O Brasil é um país rico, mas a verdade é que seu povo, em sua grande maioria, é pobre. Mas os políticos fazem uma grande propaganda enganosa para convencer a todos que está erradicando a pobreza e a miséria. É uma grande mentira. Os jovens de hoje terão de enfrentar o grande problema do desemprego, das drogas, da violência, dos maus serviços públicos; e a fome ronda a mesa dos brasileiros. Além dos impostos extorsivos, teremos de conviver com inflação alta e corrupção. A mensagem do Papa Francisco foi bem clara: "não desistam". 
Nicéas Romeo Zanchett


FRASES DO PAPA FRANCISCO 
"A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo."
"Não tenho ouro nem prata. Mas trago o que de mais precioso me foi dado. Jesus Cristo".
"Cristo bota fé nos jovens!"
"Bote fé, que a vida terá um novo sabor, bote fé, bote a esperança e bote amor."
"Energia alguma é mais potente do que a que sai do coração dos jovens."
"Não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e solidário". 
"Os jovens tem que sair e se valer, sair a lutar pelos seus valores."
"Peço um favor, com jeitinho, rezem por mim."
"Não há esforço de pacificação duradouro com uma sociedade que abandona parte de si mesma."
"Como diz o ditado, sempre se pode colocar mais água no feijão."
"A verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no coração."
"Tudo aquilo que se compartilha, se multiplica."
"A violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano."
"Quero que saiam fora. Quero que a Igreja saia às ruas."
"Gostaria que minha passagem pelo Rio renovasse a fé de todos em Cristo e na Igreja."





                 

terça-feira, 16 de julho de 2013

WOLFGANG GOETHE Por Nicéas Romeo Zanchett


JOHANN WOLFGANG VON GOETHE 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                  Johann Wolfgang Von Goethe, nasceu em Frankfurt à 28 de Agosto de 1749.
                 Em meados do século XVII, Frankfurt era uma cidade romântica, com telhados róseos, jardins cercados de grades  vistosas e patamares nas casas. Tudo isso dava às ruas residenciais aspectos atraentes, embora um pouco austeros e sombrios. 
                 Certo dia, quando tudo era sossego na velha travessa da Caverna do Cervo, começaram, inesperadamente, a cair vasilhas pela janela de uma casa para o chão. Por trás de outra janela ouviam-se as palmas de alguns garotos e umas vozes de crianças animadas que gritavam: 
                 - Mais! Jogue mais!
                 A princípio eram pequeninas jarras, púcaros e pratinhos de brinquedo. Mas, depois, o estrépito de louças, que se estilhaçavam nas pedras do calçamento, se tornou maior, pois começaram a cair  pratos grandes, de porcelanas luxuosas. 
                 Para as crianças, que a tudo assistiam, a chuva de vasilhames que se tornavam cacos e estilhaços era motivo de festa e alegria. 
                 De repente, ouviram-se umas expressões de assombro, uns gritos de espanto: 
                 - Meu Deus! Que é isso menino? Que fazes, Wolfgang!  Para! Pare com isso!
                 O alegre e entusiasmado menino, que estava jogando louças pela janela, era o pequeno Wolfgang Goethe. Havia ele de ser o nome do mais célebre dos petas alemães.  Naquele tempo, tinha apenas dois anos de idade. Mas já se fazia conhecido por causa daquela ruidosa  travessura, cujos estridores eram aplaudidos por seu público, por sua assistência, composta pelos pequenos Ochsentein, uns garotos seus vizinhos.  
                  As expressões de espanto e os gritos eram vozes de sua mãe - Catarina Isabel Textor - mulher inteligente, bondosa e bela, que tão grande influência teve na formação espiritual do filho. 
                  Goethe, desde seu nascimento, esteve sob a ação de duas benéficas forças morais: seu pai, jurisconsulto e conselheiro imperial, que lhe deu o espírito de ordem e amor para com os estudos, e sua mãe, muito mais moça que o esposo e, por isso mesmo, constante companheira de Wolfgang nos brinquedos e ocupações sérias. 
                  Na idade em que, em geral, os meninos apenas mal sabem ler, o velho cavalheiro João Gaspar Goethe tomava o filho pela mão, levava-o até seu escritório e dizia-lhe: 
                  - Agora vamos estudar. 
                  A mãe, por sua vez, o mantinha, noutras ocasiões, no saguão da casa, e, enquanto cosia ou bordava, ia contando lindas histórias de fadas e príncipes encantados para o filho. 
                  O inteligente menino a tudo escutava com muita atenção. Quando chegava ao ponto mais interessante da história e o garotinho já extravasava, pelos olhos brilhantes, a sua curiosidade, a meiga senhora interrompia a narrativa e dizia: 
                   - Imagine você, agora, o que aconteceu depois, e conte-me direitinho aquilo que pensou...
                   Era um modo muito interessante de estimular a precoce inteligência do filho, como se aquela mulher estivesse adivinhando o belo futuro a que Goethe estava destinado.
                   Com tão excelente e amorosa professora, o pequeno adquiriu desde logo, naturalmente, um sentimento tão claro e profundo do belo que não sabia suportar o que era feio. Assim, ficava contrariado e aborrecido diante de tudo que não fosse bonito, ou não estivesse em ordem.
                   Apesar dos grandes esforços do pai para encaminhá-lo nos estudos jurídicos - o menino Goethe demonstrou, desde cedo uma grande vocação para as belas artes, especialmente a literatura ou a arte de escrever.  Dos estudos preferidos pelo pai, só se dedicou, com resultados brilhantes, ao de línguas, graças a dotes especiais, que o distinguiam extraordinariamente. 
                   Ainda bem criança, um dia deixou a mãe admiradíssima, quando lhe entregou, na hora que costumava ser reservada para brincar,  um caderninho. 
                  - Olhe, mamãe! Escrevi uma bonita novela!...
                  - Meu filho!... Você mesmo a compôs?
                  Aquela pequena história - a primeira obra do grande escritor em formação - apresentava uma notável e bem rara particularidade: seus personagens eram sete e cada um deles se expressava numa língua. Goethe, aquela criança, conhecia sete idiomas; era já um poliglota! 
                  Antes de tudo, Wolfgang Goethe era um perfeito e admirável narrador de contos. Era isso o que causava o maior prazer e entusiasmo aos seus pequenos ouvintes. Com apenas oito anos, era ele uma delicioso e magnífico narrador. Tinha uma originalidade quando contava aos seus companheiros uma história qualquer: falava na primeira pessoa - eu - como se o que ia contando tivesse acontecido com ele mesmo. 
                  As histórias surgiam como feixes de luz brotando do seu brilhante cérebro. Sem dúvida, eram os frutos da boa influência materna. Os pequenos contos, que ouvia da dedicada mãe, aguçavam sua criatividade e lhe sugeriam outros, bem variados e talvez mais belos. 
                 De um desses contos o próprio Goethe deixou uma cópia em suas "Memórias". Intitulava-se "O novo Paris" e assim  começa: 
                 - "Outro dia, na noite do domingo de Páscoa de Pentecostes, sonhei que estava diante de um espelho, olhando minha nova roupa de verão, que meus pais me haviam dado para a festa. Como sabem, o traje constava de sapatos pretos, com grandes fivelas de prata, meias finas de algodão, calça preta de sarja e casaco verde, com botões dourados..."
                  Este pequeno trecho nos mostra como seu precoce talento era singelo e atraente pelo estilo descritivo. Já estava formado desde os seus mais tenros anos.
                  Ainda com pouca idade, frequentava a escola. Era lá que ele reunia todo o seu auditório infantil, para contar as mais fantásticas histórias.  À saída das aulas, acontecia um alegre burburinho de crianças, que deixavam a escola como um bando de passarinhos em plena liberdade. Então os colegas gritavam: - Wolfgang, venha Wolfgang! 
                  Esse fato dá uma ideia da simpatia e amizade que Goethe despertava no companheiros. O menino, além da precocidade da inteligência  e da facilidade da imaginação, que lhe permitiam compor versos e pequenas histórias, que os outros ouviam com grande admiração e reconhecimento. Sem dúvida, tinha autoridade sobre os colegas, mesmo os de mais idade, e um modo tão garboso que, segundo afirma Betina Brentano, sempre se distinguia  brilhantemente dos outros. 
                   À hora barulhenta da saída da escola, com seus companheiros em alvoroço, a figura de Wolfgang, serena e altaneira, era imediatamente admirada por todos. Prontamente o apontavam as mães que iam buscar os filhos, dizendo: - Olhem! Agora está saindo o filho do Conselheiro. 

                   A primeira afirmação pública de que Goethe era um autêntico poeta, muito superior aos poetas contemporâneos, foi feita por um auditório de crianças.
                  O garoto havia principado a escrever uns singelos e primorosos versos, muito aplaudidos nas reuniões familiares domingueiras. Muitos de seus companheiros de brincadeiras e colegas da escola  não acreditavam que fosse ele o autor. Um amigo, sabendo disso, inteirado dessas dúvidas, disse  a Goethe: 
                  - Estão falando isso e aquilo a seu respeito... 
                  Mas Goethe respondeu: 
                  - Não me importa  que duvidem! Podem falar de mim o que quiserem .. Eu escrevo meus versos e todos nós nos distraímos com eles. Os outros que façam, em vez de versos, o que preferirem, até mesmo suas travessuras!... 
                  Seu amigo era teimoso e tinha grande afeto a Wolfgang. Por isso, insistia com ele:
                  - Não podemos deixar as coisas assim!
                  Um dia, encontraram-se com alguns dos meninos que duvidavam de Goethe. Seu amigo chamou um deles e disse: 
                  - Aqui está o autor dos versos que eu li para vocês ouvirem. Os versos que vocês pensam que foram escrito por outro! 
                 Um dos rapazes, diplomaticamente, procurou justificar-se: 
                 - Não me leva a mal. Se é inteligente. Afinal, nós lhe demos a honra de afirmar que, para escrever versos assim, tão bonitos, o autor precisa ter conhecimento muito superiores aos nossos!... 
                 O amigo de Goethe não se contentou com a tal justificativa. E teimou com o outro: 
                  - Nada custa, convencê-los da verdade. Deem-lhe um tema, um assunto qualquer, e verão se Wolfgang, de improviso, não será capaz de escrever sobre ele, aqui mesmo e já!...
                  Goethe se mantinha calado. 
                  O que duvidava propôs que Wolfgang escrevesse em versos uma carta, cujo assunto apresentou então. 
                  Foi aí que Wolfgang exclamou:
                  - Isso é fácil. Querem ver? 
                  Ali mesmo, sentado num banco, gastando apenas alguns minutos, escreveu a carta em versos...
                  O fato causou tamanha admiração, que os meninos, convencidos, o proclamaram "poeta de verdade". 
 Quando os soldados franceses ocuparam Frankfurt, durante a guerra franco-prussiana, o poeta estava apenas com onze anos de idade. O conde Thorenc, chefe  das tropas invasoras, hospedou-se em casa de Goethe. Ela era um militar muito distinto, admirador das belas-artes. Por isso as protegeu durante sua permanência naquela cidade alemã. Apesar de ser representante da nação inimiga, fez amizade com os pais de Goethe por suas nobres maneiras e com o salvo-conduto da arte. 
                   Um dia, o hospede pediu aos pais de Goethe: 
                   - Gostaria que me permitissem levar Wolfgang ao teatro. Estão sendo levadas à cena ótimas peças, magníficas representações. O menino terá muito que lucrar, assistindo-as. 
                   Essas representações, patrocinadas pelo conde Thorenc, eram de comédias francesas. Graças a esses espetáculos e às explicações do conde, pode Wolfgang sentir-se muito inclinado para esse gênero de literatura. 
                   Não tardou para que a influência do teatro se manifestasse no espírito criativo do menino.  Poucos meses após, escreveu uma pequena comédia, a primeira de sua vida, muito parecida com as do teatro francês. 

                    Aos dezesseis anos, já autor de poesias, contos, novelas e peças teatrais, houve em sua triunfante carreira uma nova profissão de fé, agora definitiva. Seu pai, que ainda não havia desistido da intenção de formá-lo jurisconsulto, tal como ele, enviou-o a Leipzig para seguir o curso de Direito na Universidade. Ia recomendado a um famoso professor, o senhor Bohme. Seu primeiro encontro com este foi assim: 
                   - Você é filho de um ilustre jurista muito meu amigo. Terei, portanto, muito prazer de guiá-lo pelo difícil caminho das leis, meu caro jovem! 
                    - Com todo o meu respeito, senhor professor, quero comunicar-lhe que minha intenção não é dedicar-me às leis, e sim à literatura. 
                    - Então, porque você veio aqui? 
                    - Por obediência ao capricho de meu pai!...
                    O professor, acreditando que ali estava apenas um aluno desorientado, fez  o possível, primeiro para dissuadi-lo daquele propósito, e depois para corrigir-lhe os erros, os desacertos da conduta. Não obstante, o que conseguiu foi contraproducente: Wolfgang, desgostoso, começou a viver com dissipação e irregularidade. Tornou-se boêmio. Passados três anos, ao voltar para a casa paterna, em vista da inutilidade dos esforços do pai, lá apareceu cheio de novas ilusões literárias, mas sem o diploma tão sonhado pelo austero pai. 
                    De algum modo, porém, deve fazer-se justiça ao severo professor Bohme e ser-lhe grata a humanidade: durante o tempo em que Goethe esteve sob sua influência, começou a acostumar-se a transformar em poesia tudo quanto lhe causava desgosto e sofrimento ou alegria e gozo. Daí provém a serenidade de espírito, que impregnava sua obra literária. 
                   Goethe faleceu, aos 82 anos,  em Weimar à 22 de Março de 1832.
                   Seu trabalho continua encantando todos que tem a oportunidade de conhecer. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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                       Muitos pais querem que seus filhos conquistem o sucesso que eles sempre desejaram. Mas isso é um erro gravíssimo. Cada ser humano é diferente dos demais e só será feliz fazendo aquilo para o qual tem vocação. 
Nicéas Romeo Zanchett 



segunda-feira, 8 de julho de 2013

SARAH BERNHARDT



SARAH BERNHARDT 
UMA MULHER LIBERADA 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                      Sarah Bernhardt  nasceu em Paris  a 23 de outubro de 1844, e morreu em Paris a 26 de março de 1923. Conhecida como a mais famosa atriz de todos os tempos. 
                       Filha de uma senhora holandesa e israelita chamada Julie Bernardt - Youle -, para os íntimos. Ainda muito jovem, sua mãe lançara-se na vida como cortesã, que na época era chamada de "uma vida galante". Entre seus admiradores, havia um jovem estudante de direito que se tornou o pai de Sarah. No entanto, ao ser nomeado notório em Havre, ele deixou mãe e filha com uma pequena pensão. 
                       Os primeiros 4 anos  de sua vida passou na Bretanha, aos cuidados de uma babá. Foi ali que aprendeu sua primeira língua, o bretão; e foi por esse motivo que adotou a forma bretã em seu sobrenome artístico: Bernhardt. Quando ainda vivia na Bretanha sofreu um acidente, caindo  de uma janela e quebrando a rótula da perna direita. Apos este episódio sua mãe a levou para Paris, onde permaneceu por dois anos. Quando já ia completar 7 anos foi colocada num internato para garotas, chamado Instituição Fressard, onde permaneceu até os 9 anos. Em 1853,  internou-se num colégio de freiras, chamado Grandchamp, na região de Versalles. Ali aconteceu o desabrochar da vocação que, mais tarde, a tornaria conhecida como "A Divina Sarah". 
                       Sua vida familiar, principalmente nos primeiros anos, foi muito difícil pelas más influências da mãe, com a qual tinha uma relação muito tensa. Julie Bernard tinha predileção pela filha Jeanne e descuidou-se totalmente da filha menor, Régine, que acabou sendo prostituta aos 13 anos e falecendo de tuberculose aos 18, em 1859. A irmã mais velha Jeanne, sempre que tinha necessidade de dinheiro, também se prostituía. 
                      Sua mãe, conhecida cortesã, levava uma vida mundana, sempre cercada de admiradores ilustres. Quando Sarah completou 15 anos, tentou induzi-la a ser uma cortesã de luxo para ganhar dinheiro; mas a jovem, influenciada pela educação religiosa que teve com as freiras, negou-se repetidamente, embora algumas vezes tenha feito programas. Nessa época, sua mãe  tinha um salão em Paris, onde recebia seus clientes e muitas celebridades. Entre as celebridades estava Rossini Dumas e o Duque de Morny, meio irmão de Napoleão Bonaparte,  que aconselhou inscrevê-la no "Conservatoire de Musique et Déclamation . Sarah ingressou sem dificuldades e teve a oportunidade de um treinamento formal. 
                      A partir de então, Sarah Bernhardt não mais abandonou o teatro. Sua reação aos sofrimentos de uma infância abandonada foi muito peculiar; dedicou-se freneticamente às pessoas de sua família e apenas a elas. Preocupada com sua irmã Jeanne, que costumava ganhar dinheiro como cortesã de luxo, levou-a consigo como sua companhia em viagens europeias e americanas; tentou fazê-la atuar  em alguns pequenos papéis, mas era uma atriz medíocre. Era viciada em morfina, sofreu grave crise de neurose e teve de ser internada no hospital "La Pitié-Salpetrière" em Paris. Depois dedicou-se com todas as forças ao filho Maurice  e às netas. O filho, Maurice Bernhardt - resultado do caso que teve com o Príncipe Henri de Ligne - viveu sempre à custa de sua mãe. As últimas excursões que ela fez aos Estados Unidos, já cansada e doente, foi para pagar as dividas do filho.   
                      Foram muitas as aventuras amorosas de Sarah Bernhardt, mas além de sua total dedicação à família, em seu coração só existiu o teatro. Entre seus amores podemos citar: Victor Hugo, o Principe de Ligne, com quem teve um filho, o Príncipe de Gales, Charles Haas, Jean Richepin, Mounet-Sully entre outros. Ela também teve um amor homossexual, muito estranho para aqueles dias, com a pintora francesa Louise Abbéma, descendente de Luisa Contat, célebre atriz francesa. Também Geroge Sand, que na época escandalizava todos os seus compatriotas, foi vê-la  e, sobre este encontro escreveu: "Olhei para essa mulher com uma ternura extraordinária." 
                       Quando foi prestar exame para o concurso do conservatório, estava morrendo de medo - esse medo jamais a abandonou, nem no auge da  sua glória. O juri se mostrava frio e hostil e ficou ainda mais irritado quado ela anunciou que iria recitar  La Fontaine. Dumas dizia que quando ela  sentia a animosidade alheia, sua voz se tornava mais patética e mais pura, "como uma fonte milagrosa". Apesar do medo, Sarah Bernhardt lançou-se por inteira ao desafio do difícil texto.  A comissão julgadora caiu em lágrimas e a atrevida jovem foi reconhecida como uma autêntica atriz. 
                       A partir daquele momento decidiu que não bastava apenas ser uma atriz, tinha que ser a maior de todas. Começou a estudar, dia e noite, pagando os melhores professores, fazendo os maiores sacrifícios. Para ter aulas de francês, caminhava longas distâncias só para economizar o dinheiro da passagem. 
                       Quando ingressou na Comédia Francesa, não chegou a surpreender ninguém com sua segura interpretação de Efigênia; com apenas 18 anos já era a Diva Sarah Bernhardt. Todos a tratavam com o merecido respeito de uma grande estrela, mas o porteiro do teatro, que já a conhecia de bastante tempo, continuava a chamá-la de "pequena Bernhardt" até o dia em que a temperamental atriz se irritou e lhe deu com a sombrinha na cabeça. 
                       Nos quatro anos seguintes sua vida teve novos episódios marcantes.  Sarah engravidou do Príncipe de Ligne, com quem teve seu filho Maurice, mas não queria nem ouvir falar em qualquer tipo de casamento. Sua mãe, para irritá-la,  dizia agressivamente: "Eu não sei ao certo se o pai é Gambetta, Victor Hugo ou o General Boulanger."  "Tu te comportas como uma louca princesa russa." 
                       Ao retornar à carreira interpretou Sílvia em "O jogo do amor e do Acaso", de Marivaux; Armanda em "As mulheres Sábias" e Cornélia em "Rei Lear".  Mas seu grande sucesso aconteceu quando interpretou  Zacharie em "Athalia", peça em que apareceu vestida de rapaz. O público delirou. No mesmo teatro,  interpretou o papel principal em "Kean", drama de Dumas. Na noite de estreia, teve que enfrentar uma manifestação política  de estudantes que gritavam: "Abaixo Dumas, viva Victor Hugo." Nessa ocasião Victos Hugo já estava no exílio. Sarah enfrentou o medo e, dirigindo-se aos manifestantes de mãos postas disse-lhes que um escritor não é culpado pela desgraça política do outro. Ao terminar o espetáculo, Dumas foi até ela e cobriu-a de beijos. 
                        Nessa altura, seu nome em qualquer cartaz de teatro era garantia de lotação esgotada. Já não podia dar um  passo, fazer qualquer gesto sem que toda a França soubesse.  Antes que ela interpretasse  "Ruy Blas", toda a França tomou conhecimento de seu encontro com Victor Hugo. Ao vê-la em cena, o grande poeta caiu-lhe aos pés e lhe ofereceu uma lágrima - por escrito. Na mesma ocasião Sarah recusou um bracelete  ornado de diamantes oferecido pelo nababo Alfred Sasson. Sobre o episódio ela disse: " Os brilhantes não valem uma lágrima de Victor Hugo." 
                        Suas  atitudes eram comentadas  em todos os jornais; Nadar a fotografava em todos os ângulos; o crítico Sarcey escrevia: "É a própria natureza servida por uma inteligência maravilhosa, uma alma de fogo e a voz mais melodiosa que já chegou aos ouvidos humanos." Também Gouncourt não a poupava comentando suas loucuras. Sua impetuosidade mostrava que queria viver intensamente; parecia ter uma inesgotável fome pela vida. "A vida é curta mesmo para os que vivem muito." Sarah, escrevia, esculpia e pintava. 
                         Na sua triunfal excursão pelos Estados Unidos, foi visitada  pelo mega empresário Cornélius Vanderbilt, magnata da marinha mercante e das ferrovias, que chorava ao vê-la interpretar  "A Dama das Camélias". Numa ocasião ela lhe perguntou o que poderia lhe oferecer e o milionário, com seu costumeiro bom humor respondeu: "Um lenço". Certamente precisava de um lenço para enxugar as lágrimas. 
                        Nessa época, a maioria dos ídolos franceses passavam, mas o mito de Sarah Bernhardt continuava, cada vez mais forte.  Durante a apresentação de " Processo de Joana D'Arc", já com 65 anos, ela respondeu ao bispo Cauchon: "Tenho 19 anos", e o teatro explodiu ovacionando-a longamente. 
                         Mas a vida de Sarah Bernhardt, aos 71 anos, teve um novo episódio que a marcaria para o reto dos seus dias.  Ainda que tenha se curado do acidente ocorrido aos 4 anos, sua rótula continuou frágil e vulnerável. Em 1914, por causa de um novo acidente, e com as fortes dores que sentia, teve a perna amputada. Entretanto, sua imagem continuou intacta. Quando alguém lhe falava sobre sua deficiência, costumava perguntar: "Que perna"? Os cronistas falavam - em sua coragem, autenticidade e talento - o que os outros gostariam de ser ao menos uma vez na vida. Suas fotos, retratos a óleo ou aquarela mostram sempre um rosto diferente, como se la Bernhardt fosse muitas mulheres - todas as mulheres. 
                         Sarah Bernhardt teve uma forte ligação com o Brasil, onde representou por três vezes. A primeira foi ainda no império, as duas outras já na República. 
                          A "Divina Sarah"  por muitas vezes, foi carregada em triunfo, tanto em seu país como em outros que visitara. Seu mito continua até hoje. Na busca pela sua imagem no tempo, é só ela, sua força, seu talento e seu mistério, que todos encontram. 
Nicéas Romeo Zanchett