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domingo, 11 de agosto de 2013

GAUTAMA BUDA


GAUTAMA BUDA 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                  Cerca do ano 1.000 a.C., no seio da civilização dos Árias, conquistadores do Pendjab e do alto do Ganges, surgia o Bramanismo, uma religião complicada, profundamente modificadora da posição social de seus fiéis, a qual situava em Brama a personificação do Absoluto, dizendo-o criador do mundo, dos deuses e dos seres em geral.  Junto a Brama, governavam o mundo, com iguais poderes o deus Vishnu, personificação do bem, além de Shiva, personificação do mal, portanto, da destruição. 
                   Sacerdotes do Bramanismo eram os Brâmanes que, na civilização dos Árias, tiveram enorme importância na vida social; porquanto eles constituíam uma casta privilegiada que, graças à sua a sapiência das coisas da religião, encontrava-se com maior autoridade sobre as outras três castas, em que estavam divididos os homens. Além destas quatro subdivisões, havia, ainda, os "párias", isto é, os impuros, considerados menos do que nada, na escala social. Foi neste contesto daquela civilização que nasceu Gautama Buda.  
                  Gado, agricultura e comércio tornavam rica a pequena e aristocrática república que se estendia aos pés do Himalaia, no Nepal, onde a estirpe dos Sakiya era responsável pela sorte de um milhão de súditos. Da capital, Kapilavatthu (índia), o regente Suddhodana, rico e nobre latifundiário, governava um exíguo número de pequenos senhores da aristocracia, orgulhosos de sua pele branca e das terras herdadas dos Arianos, uma vasta população de progressistas artesãos, um povo de servos da gleba, que o cativeiro obrigava à horrível humilhação de trabalhar por algum pagamento. Na sua corte, porém, não havia tristeza e o tempo  transcorria sereno, entre toda sorte de requintados prazeres. 
                   Em 567 a.C. Suddhodana teve, de sua esposa Maya, quando esta já passara dos 45 anos de idade e não mais esperava ser mãe, um filho ao qual pôs o nome de Siddhautta, mas que sempre foi chamado de Gautama, pois os Sakiya se orgulhavam de descender dos Gautâmidas. As lendárias biografias atribuem a maternidade de Maya a um milagre, e narram que a rainha vira , em sonho, sua criaturinha sob a forma de um pequeno elefante branco. E talvez seja esta a razão porque este animal, que é símbolo da mansidão no Oriente, e é sagrado aos budistas.
                   Gautama, como se o destino houvesse desejado que ele abrisse os olhos sobre aquela natureza que, na maturidade, iria amar muitíssimo, nasceu em um parque, quando Maya se encontrava de viagem para Koli. Uma semana depois, a mãe morreu e o menino foi entregue à sua madrinha Pajapati, que o criou e o amava tanto quanto aos seus dois filhos, um casalzinho. 
                   Por seu nascimento, Buda pertencia à casta dos kshatryas (guerreiros). Chamou-se Sákia para lembrar sua família e Gautama para recordar sua raça, cujo venerado pai era - diziam - o próprio Gautama. Só mais tarde recebeu o nome de Buda, assim como, provavelmente o de Sidarta, (aquele cujos desejos se realizam), embora se assegure que recebeu este nome quando menino. Perdeu sua mãe sete dias depois de nascer e foi confiado aos cuidados de sua tia materna, que também fora uma das mulheres de seu pai, antes da morte de Maya (Maiadevi). à medida que crescia, distinguia-se por sua formosura e sua inteligência extraordinária, e não tardou em ultrapassar a ciência dos mestres encarregados de instruí-lo. Recusava-se a tomar parte nos brinquedos próprios de sua idade com seus companheiros, e jamais estava tão contente como quando se retirava à solidão e se absorvia na meditação no fundo do bosque próximo à sua casa. Foi lá que seu pai o encontrou, um certo dia em que o supusera perdido; para impedir que se consumisse, assim, em sonhos, o rei resolveu casá-lo imediatamente. Quando os ministros lhe informaram sobre o desejo de seu pai, pediu sete dias para refletir; depois, tendo  adquirido a convicção de que nem mesmo o matrimônio poderia perturbar a calma de seu espírito, permitiu aos anciãos que lhe procurassem uma esposa. 
                   Quando o jovem príncipe, cujos lindos trajes lhe aumentavam o esplendor pondo em realce a sua beleza, completou 19 anos, casou-se com sua prima Yasodhá e com ela partilhou a sua vida real durante dez anos. 
                    De início, o pai da formosa jovem, Daudapani, não aceitou o casamento, porque haviam lhe falado do príncipe como um jovem entregue à moleza e à indolência; porém, apressou-se a dar seu consentimento, quando viu que Sidarta ultrapassava a todos os seus rivais nos exercícios do corpo e do espírito. Sua união foi das mais felizes; porém, depois, tal como antes de sua boda, o príncipe permaneceu mergulhado na meditação dos problemas da vida e da morte. "Nada há estável na terra", dizia; "a vida é uma fagulha produzida pela fricção da madeira, acende-se e apaga-se; não sabemos de onde veio nem para onde vai. A vida é como o som de uma lira, e o sábio se pergunta em vão de onde veio e para onde vai. Deve haver alguma ciência, na qual possamos encontrar o descanso. Se eu a alcançasse, poderia trazer a luz aos homens. Se fosse livre, eu mesmo poderia libertar o mundo". O rei observava atentamente à melancolia do seu filho, e tentava, mas em vão, todos os meios para afastá-lo de seus pensamentos tristes. 
                   Circundado pela afetuosa solicitude paterna, Gautama, aos 29 anos, ainda não havia conhecido nenhuma espécie de sofrimento. Mas, um dia, ao passar pelo parque com seu cocheiro Channa (assim narra a lenda), ele avistou subitamente um um velho enfermo, um pútrido cadáver, e um venerável monge mendigo; ficou muito impressionado, porque jamais imaginara que aos homens fossem reservados tamanhos sofrimentos. - Quem é esse homem? - perguntou de propósito o príncipe a seu cocheiro. É baixo e não tem forças; suas carnes e seu sangue secaram; seus músculos pegaram-se à pele, seus cabelos são brancos, seus dentes balançam, seu corpo está enfraquecido; apoiado em um bastão anda com dificuldade, tropeçando a cada passo. Isto é tipico de sua família, ou é a lei de todas as criaturas do mundo?"  "- Senhor - respondeu o cocheiro- esse homem está molestado pela velhice; todos os seus sentidos estão debilitados; o sofrimento destruiu sua força e seus parentes o abandonaram; encontra-se sem apoio; inabilitado para o trabalho, abandonam-no como á madeira apodrecia no bosque. E não é uma condição particular de sua família. Em toda a criatura a juventude é vencida pela velhice; vosso pai, vossa mãe, todos os vossos parentes e amigos terminarão pela velhice também; não há outra saída para as criaturas". "- Assim, pois - disse o príncipe - a criatura  ignorante e débil, com mau juízo, orgulha-se com a juventude que o embriaga e não vê a velhice que o espera. Quanto a mim, vou-me embora daqui. Cocheiro, faça logo voltar o meu carro. Eu, que também sou a futura residência da velhice, que tenho que ver com o prazer e a alegria?" E o jovem príncipe, voltando o seu carro, regressou à cidade, sem ir a Lumbini. 
                   Em outra ocasião, dirigia-se com numeroso acompanhamento, pela porta sul, ao jardim de recreio, quando percebeu no caminho um homem enfermo, abrasado pela febre, com o corpo marcado, sem companhia, sem abrigo, respirando com grande dificuldade, sufocado e obsessionado, ao que parece, pelo aumento da enfermidade e a proximidade da morte. Depois de haver se dirigido ao cocheiro e obtido a resposta que esperava, disse: " - A saúde é pois, como o capricho de um sonho, e o temor do mal  tem, pois, essa forma insuportável. Que homem prudente, depois de ter visto o que realmente é, poderá dai em diante ter a ideia da alegria e do prazer?" Em seguida, o príncipe fez que voltasse o seu carro e regressou à cidade, sem querer ir mais adiante. Mostrava-se profundamente decepcionado com avida que levava. 
                   Outra vez, quando também se dirigia pela porta oeste do palácio, ao jardim do recreio, quando no caminho viu um homem morto, posto no ataúde e coberto com um lençol. A multidão de seus parentes o rodeava, chorando, lamentando-se com gemidos prolongados, arrancando-se os cabelos, enchendo de pó a cabeça, batendo no peito e dando grandes gritos. O príncipe, voltando a tomar o cocheiro por testemunha daquele doloroso espetáculo, exclamou:  " - Ah! desgraçada a juventude que a velhice há de destruir! Ah! Desgraçada a vida na qual o homem permanece tão poucos dias! Ah! Desgraçada saúde que pode ser destruída por tantas enfermidades! Se não houvesse nem velhice, nem enfermidade, nem morte! Se a velhice, a enfermidade, a morte, fossem condenadas para sempre!" 
                   Depois, revelando pela primeira vez seu pensamento, o jovem príncipe acrescentou: "Voltemos atrás; tratarei de realizar a liberdade". 
                   Na corte, festejava-se, naquele dia, o nascimento de Ráhula, o primogênito de Gautama e de Yosodhá, e todos os cortesões tinham se apresentado com seus mais ricos e vistosos trajes, preparado suas mais eloquentes frases e o mais luminoso sorriso para festejar o grande acontecimento. Gautama, estarrecido ante aquilo que vira antes, não mais conseguia experimentar prazer algum, e uma intensa  mágoa o envergonhou por causa da vida que levava até então. 
                    Um último encontro acabou por decidi-lo a dissipar todas as vacilações  Saía pela porta do norte para dirigir-se ao jardim do recreio, quando viu um "bikson" (mendigo) , que parecia, em todo o seu exterior, tranquilo, disciplinado, contente, entregue às práticas de um "bramatchari" (encenação), com os olhos baixos, não fixando os seus olhares além da distância de uma jugada, com traje completo, trazendo com dignidade sua vestimenta de religioso e a bandeja de esmolas.  " - Quem é esse homem?" - perguntou o príncipe.  "- Senhor - respondeu o cocheiro - esse homem é um desses que são chamados "bikshous". Renunciou todas as alegrias do desejo e leva uma vida muito austera. esforça-se por dominar a si mesmo e faz-se religioso. Sem paixão, sem inveja, vi pedindo esmolas." "- isso é bom e está dito bem - respondeu Sidarta. Professar  numa religião sempre foi louvado pelos sábios. Será meu recurso e o recurso de outras criaturas. Será para nós fonte de vida, de felicidade e de imortalidade". 
                  Em seguida, o príncipe, tendo feito que seu carro voltasse, entrou na cidade sem ver Lantonin. Sua resolução estava tomada. 
                   Depois de haver declarado ao rei e à sua mulher a sua intenção de retirar-se do mundo, Buda preparou-se para abandonar o palácio. Na mesma noite, enquanto todos estavam dormindo, ele partiu; talvez, como diz a lenda, o fiel Channa acompanhou-o até as fronteiras do reino, talvez tenha seguido sozinho, dirigindo-se por entre as trevas até a atual Rajgir - (Rajagarra- Índia). Ali, na solidão, nas grutas circundantes à cidade, viviam numerosos acetas (homens que renunciam aos prazeres terrenos da vida) que, confiando na caridade do próximo, nutriam-se de esmolas e transcorriam as horas do dia  e da noite em perene penitência e forte meditação.  Abandonando os ornamentos reais, Gautama vestiu a roupa humilde do asceta, e a rica bagagem, que costumava levar consigo em suas viagens, substituiu por outra, bem mais simples, a de mendigo: uma caneca para esmolas, uma navalha, uma agulha e coador para filtrar água.  Assim vestido, ficou semelhante aos demais anocoretas (monges ou eremitas) ;com estes, ele também tinha em comum o desejo de uma vida mais espiritual, mas ainda não se sentia preparado para a vida religiosa.  E foi por este motivo que, nos primeiros tempos, Gautama quis ser discípulo de dois mestres da vida religiosa, dois "brâmanes", para que lhe ensinassem como chegar, através do martírio do corpo,  à "suprema clarividência"; este feliz momento, que nem todos os ascetas conseguiam alcançar, era um estado de alma estático, muito próximo da catalepsia e da inconsciência. 
                   À época em que Gautama Buda se entregou à vida religiosa, o Bramanismo estava passando por profunda crise, porque os homens mais evoluídos tinham começado a duvidar do poder dos sacerdotes, pois estes, na verdade, exercitavam artes mágicas que os faziam parecer mais feiticeiros de tribos primitivas do que expoentes de uma civilização superior; pretendiam saber dobrar à sua vontade os deuses, mas, ao mesmo tempo, nem sempre sabiam responder satisfatoriamente aos grandes interrogatórios sobre o BEM e o MAL, sobre a existência da alma e sobre a eternidade, dúvidas que sempre atormentaram e ainda atormentam  o espírito  do homem religioso.  Aconteceu, pois, que muitos jovens, frequentemente oriundos das melhores famílias, abandonaram a religião oficial, personificada pelos brâmanes, e procuraram, seguindo este ou aquele homem que julgavam mais sábio, alcançar  por si sós a explicação dos grandes problemas da vida. Aprofundando um princípio que já estava inscrito no Bramanismo, segundo o qual era necessário meditar longamente  e sacrificar o próprio corpo, para chegar à Verdade, eles se isolaram da sociedade, tornaram-se ascetas ou anacoretas, e passaram a mortificar de tal forma o próprio corpo, com jejuns e suplícios, que praticavam verdadeiros atos de heroísmo; somente assim, de fato, pensavam eles, sua alma seria totalmente purificada. 
                   Analisando a história, sem a influência das paixões, pode-se dizer que Gautama Buda foi um desses jovens que aderiu a uma nova forma de procurar a verdade absoluta na bondade infinita de Deus Universal. 
                   Buda, depois de muitos estudos, compreendera que nem as doutrinas nem as autoridades do brâmanes contribuíram em nada  para realizar a emancipação do homem nem para libertá-lo do temor da velhice, da doença e da morte. Depois de longas meditações e muitos êxtases, acreditou, por fim, ter chegado a essa compreensão suprema que descobre a causa de todas as mudanças inerentes à vida e destrói, ao mesmo tempo o temor a essas mudanças. A partir desse momento  tomou o nome de "Buda", que quer dizer "o iluminado". Hoje, passados mais de 26 séculos, podemos dizer, na verdade, que esse dia decidiu o destino de milhares de homens. Durante algum tempo, Buda perguntou-se, duvidando, se deveria guardar sua ciência ou comunicá-la ao mundo. Sua compaixão pelo sofrimento do homem foi mais forte, e o príncipe converteu-se no fundador de uma religião que, depois de tantos séculos, continua sendo seguida por milhões de seres humanos. 
                    O elemento mais importante da reforma budista sempre foi seu código social e moral, não suas teorias metafísicas. Esse código moral, considerado em si mesmo, é um dos mais perfeitos que se tem conhecido no mundo. O código budista não contém apenas os cinco grandes mandamentos de não matar, não roubar, não cometer adultério, não mentir, não embriagar-se. Encerra preceitos especiais contra todos ps matizes do vício, contra a hipocrisia, a cólera, o orgulho, as suspeitas, a avidez, as conversações ociosas, a crueldade com os animais. Entre as virtudes, cuja prática recomenda, o budismo, não somente encontramos o respeito aos pais, o cuidado dos filhos, a submissão à autoridade, o agradecimento aos benfeitores, a moderação na boa sorte, a resignação nos momentos de prova, a igualdade de espírito em todos os momentos; vemos também preceitos que não se encontram em nenhum outro código de moral como, por exemplo, perdoar as injúrias e não devolver o mal com o mal. 
                     Buda não rejeitava a crença na vida futura, que tem proporcionado armas tão poderosas para agir sobre os sentimentos religiosos e o comportamento dos homens. Tenho, para tanto, a convicção de que ele sabia que se esta vida, tarde ou cedo, há de acabar no nada, não valeria a pena  ter tanto trabalho e nem teria imposto tantos sacrifícios a seus discípulos. 
                     Somos todos parte de um universo em constante mutação. O mal que fazemos a qualquer ser, animal, vegetal ou mineral, repercutirá na nossa forma de vida.
Nicéas Romeo Zanchett 
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