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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A REFORMA PROTESTANTE Por Nicéas Romeo Zanchett


A REFORMA PROTESTANTE 
Por
Nicéas Romeo Zanchett 
                    Com o Renascimento houve o reflorescimento da inteligência humana, porém não pode escapar ao perigo que traz consigo uma espécie de eclosão, que é o progressivo  alheamento das aspirações profundas, primitivas e puras do coração. Dedicando-se aos cintilantes efeitos do engenho, desejavam que os verdadeiros anseios se fundissem num funesto materialismo. 
                   Enquanto Carlos V e Francisco I batalhavam pela glória da própria coroa e pela posse de algum pedaço de território, conservando o mundo em armas e saqueando as pacíficas cidades da Itália e de Flandres, outra tempestade, e muito mais grave, se adensava sobre a Europa; uma guerra curialesca e togada, combatida por homens mais afeitos à pena do que à espada, mas anunciadora de grandes e sangrentos eventos. 
                   Entre o mundo germânico e o latino, jamais houvera muita amizade, mesmo no campo religioso; muitos bispos alemães mal toleravam a autoridade de Roma, seja por cego nacionalismo seja por contrastados interesses políticos. O fausto da corte pontifícia irritava a muitos, que viam
nisso uma evidente discordância dos preceitos evangélicos; a rigidez dogmática do Catolicismo, o absoluto princípio  de obediência e de hierarquia, que constitui a inabalável estrutura da Igreja, pareciam algo incômodo a quem da própria Igreja não lhe sentia íntima  grandeza. Todos esses fatores e outros de caráter mais pessoal, agiram quase que inconscientemente sobre  aquele obscuro monge agostiniano, Matinho Lutero, um jovem de trinta e cinco anos, de quem improvisadamente se começou afalar, em fins de 1517. 
                   Quem realmente quiser compreender a reforma protestante ou reforma luterana e calvinista, é indispensável, antes, entender a crise cristã e o seu desenvolvimento durante o papado de  Leão X.  
                   Martinho Lutero, desde muito tempo, antes das suas proposições heterodoxas, havia suscitado algumas apreensões entre seus superiores. Em sua viagem a Roma em 1510, tinha experimentado a indiferença, a frivolidade dos sacerdotes, e os vícios da corte pontifícia. Contudo, é falsa a teoria de que diz ser este religioso, cheio de zelo, um reformador da Igreja. Se mais tarde vem a querer endireitar, corrigir, suprimir os abusos, é porque na origem desses abusos pensa encontrar um erro, um "pecado espiritual", a doutrina maldita da salvação pelas obras. Por essa doutrina, diz ele, a Igreja impõe fardos arrasadores sobre os ombros de seus fiéis, e como estes não podem suportá-los, lhe propõe a substituição desses fardos por obras impossíveis; mentiras para convencer os fiéis a suportarem tudo silenciosamente. 
                   É esta mentira que Lutero denunciará no primeiro grande fato da reforma luterana; o negócio das indulgências. Este comércio começara em 1515. Para pagar a construção da Igreja de São Pedro em Roma, o papa Leão X organizara, especialmente na Alemanha, pátria de Lutero, a venda de indulgências plenárias que asseguravam aos compradores o perdão de seus pecados e das penas temporais devidas por esses pecados; a absolvição, uma vez na vida, e em caso de morte, de qualquer espécie de pecado; a redução de pena para as almas  do purgatório. Sobre esta frutífera venda, alguns príncipes alemães cobravam uma comissão. Lutero, como sacerdote, pudera constatar  no confessionário, o perigo espiritual que trazia este mercado; discutia e duvidava da legitimidade da doutrina de salvação em que tal comércio implicava. 
                    Lutero, irritado pelos abusos cometidos por alguns pregadores dominicanos, atacou publicamente a doutrina das indulgências papais, estendendo aos poucos suas críticas a outros dogmas e enunciando princípios que sacudiam  as próprias bases do edifício católico. Em 31 de outubro de 1517, sobre a porta da capela do castelo de Wittenberg, apareceu afixado um amplo manifesto; eram as "95 teses", que resumiam a doutrina do monge rebelde, suficientes para fazer acusar seu autor de heresia. 
                    A reação das autoridades eclesiásticas e do próprio Pontífice, logo informado do acontecimento, foi nítida e decidida; Lutero foi convidado a retratar em bloco suas posições. Mas, por detrás de Lutero, alinhavam-se os senhores que tencionavam  apoderar-se dos bens eclesiásticos, o povo que se  exaltava com aquela vaga aura de socialismo que pairava  nas doutrinas luteranas, muitos estudiosos e teólogos alemães,  a quem pesava a dependência espiritual de Roma. 
                     Martinho Lutero tinha, física e moralmente, o estofo inconfundível de chefe e de combatente; maciço de corpo, sanguíneo, egocêntrico até à presunção, tão poderoso no ataque quanto agudo e genial na discussão, o monge encontrou-se perfeitamente à vontade no papel de reformador. Quando Leão X o ameaçou de excomunhão, caso não se retratasse de suas afirmações, ele queimou, na presença do povo, a bula pontifícia. Esse ato teve um incalculável alcance; o cisma estava declarado e o ex-monge herege tornou-se o fundador de uma seita que  já contava com numerosos adeptos, em toda a Alemanha.  Acenar aqui e acolá, ainda que superficialmente, à substância teológica da doutrina luterana não é, naturalmente, possível; basta dizer que ela negava a autoridade da Igreja sobre textos sagrados, confiando a interpretação ao leitor ( na realidade, Lutero impunha sua interpretação); reduzia os sacramentos, a liturgia, a veneração pelos santos, a simples superstições, afirmava que unicamente a fé em Cristo bastava para garantir o "Paraíso", mesmo ao mais impenitente e calejado pecador.  "Seja pecador e peque fortemente, mas creia fortemente", escrevia Lutero ao seu discípulo Melantone.  A perturbação das consciências, ente essas teorias, era enorme; Já o próprio imperador Carlos V, embora ameaçando, não pode assumir uma atitude decidida, visto que grande parte de  seus súditos estava contra a Igreja. Muitos príncipes, que até tinham abraçado as novas doutrinas, "protestaram" publicamente, em 1524, contra o edito, daí veio o nome de "Protestantes" dado aos Luteranos. 
                    Martinho Lutero estava, no entanto, muito ocupado em esclarecer seus  pensamentos (o que, na realidade, jamais conseguiu); escrevia volumes e opúsculos eficazmente polêmicos, embora pouco persuasivos, e dedicava-se àquela esplêndida tradução da Bíblia, que foi a base de toda a literatura alemã, atém então praticamente inexistente. Além de ter sido o criador da língua literária, Lutero foi autor de muitos belos cânticos religiosos.
                    Uma grande voz cristã acabava de se levantar. Falava de Deus, de seu amor, da salvação, da Igreja, de uma maneira diferente, que não lançava as almas numa angústia invencível e eterna. Aquela voz, como não poderia ser diferente, provocou ecos em toda a vida religiosa cristã. 
                    Nos últimos anos, viveu pacificamente, sempre escrevendo e pregando, rodeado de filhos (casara-se em 13 de janeiro de 1525 e de discípulos, protegido pelas armas e pelo prestígio do "eleitor" da Saxônia.  Morreu em 1546, em Eisleben; um ano antes, Paulo II instalara o Concílio de Trento, que, além de reconduzir a Igreja a uma vida  mais consentânea com os princípios do Cristianismo, iria opor uma válida defesa para aquela que ficou conhecida como a heresia luterana. Infelizmente, porém, a unidade dos católicos fora irremediavelmente partida. 
                    A originalidade de Lutero é seu protestantismo, isto é, a decisão de colocar o problema humano do destino em função apenas de Deus; isto é, não apenas a decisão de colocá-lo nestes termos, com inflexível rigor contra o humanismo puro do Renascimento e o humanismo desvitalizado do catolicismo; é a convicção crua, firme, mantida ante todos e ante si mesmo, de que esse problema único está resolvido plenamente no Evangélio de Jesus Cristo, alcançado apenas pela fé do crente. 
                    É a fé de Lutero que temos de conhecer  se quisermos conhecê-lo. 
                      A Igreja que leva seu nome conta, no mundo inteiro, com milhões de fiéis, e todos os cristãos que pertencem a qualquer uma das correntes religiosas oriundas  da Reforma sabem quanto devem a este genial iniciador. Nisto concordam tanto aqueles que tentam denegri-lo como aqueles que o exaltam. 
                     Hoje, já não se pode duvidar de que os objetivos de Lutero era o bem de todos baseado nos reais princípios de Cristianismo. Infelizmente, a Igreja Protestante, no decorrer de seu desenvolvimento, foi absorvendo pessoas inescrupulosas, verdadeiros estelionatários, cujos objetivos são unicamente explorar os menos favorecidos intelectual e financeiramente. Milhares de Igrejas, que se denominam "Protestantes", estão espalhadas pelo mundo praticando todo o tipo de anti-cristianismo. Mas precisamos ser sábios para separar o "joio do trigo".  Muitas são aquelas que realmente procuram conduzir seus fiéis, sem explorá-los, nos princípios que Cristo pregava sem lhes cobrar dízimos. Cabe aqui lembrar que foi basicamente contra a exploração financeira que Lutero se rebelou. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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