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segunda-feira, 13 de maio de 2013

MAESTRO CARLOS GOMES- Por Nicéas R. Zanchett


MAESTRO CARLOS GOMES 
Por Nicéas Romeo Zanchett
                  Antônio Carlos Gomes, o maior operista brasileiro de todos os tempos nasceu numa segunda- feira, em 11 de julho de 1836, numa humilde casa da Rua da Matriz Nova, em Campinas, ("cidade das andorinhas"); filho do Sr. Manoel Gomes "Seu Maneco Músico", e de dona Fabiana Jaguari Gomes. 
                  A vida de Carlos Gomes sempre foi marcada pela dor. Ainda muito criança, perdeu tragicamente  a mãe. Seu pai, além de estar sozinho para criar e educar 26 filhos, vivia em dificuldades financeiras. Com os próprios filhos fundou uma banda musical, onde Carlos iniciou seus passos artísticos. Desde cedo, revelou seus pendores musicais, incentivado  pelo pai e depois por seu irmão, José  Pedro Santana Gomes, fiel companheiro de todas as horas.  Em Campinas era conhecido por Nhô Tonico, nome com o qual assinava até suas dedicatórias. Pertencia a uma família formada por agricultores, relojoeiros, marceneiros, encadernadores, farmacêuticos, trombonistas, flautistas e até dois padres. Descendente de espanhóis, família Gomez, (com z). Seu bisavô, D.Antônio Gomez, fora bandeirante e casara-se com a filha de um cacique. 
                 Aos 18 anos de idade, apresentou sua primeira "missa", em cuja execução ele próprio cantou alguns solos. A emoção que lhe embargava a a voz comoveu a todos os presentes, especialmente o irmão mais velho, que já previa seu triunfo na música universal. 
                 Quando chegou aos 23 anos, com seu pai, apresentava vários concertos. Nessa época, apesar de moço, lecionava piano e canto, ao mesmo tempo em que se dedicava com afinco ao estudo das óperas, demonstrando preferência por Verdi. Já era conhecido também  em São Paulo, onde realizava frequentes concertos; e foi lá que compôs o "Hino Acadêmico", ainda hoje cantado pelos jovens estudantes  da Faculdade de Direito. Ali recebeu os mais amplos estímulos de todos que lhe apontavam o rumo da Côrte, onde iria aperfeiçoar-se no Conservatório. A maior dificuldade para ir ao Rio de Janeiro estava no fato de que seu pai não tinha recursos para custear sua viagem.  
                 Num certo dia, com o pretexto de realizar concertos em São Paulo, Carlos Gomes saiu de casa com destino àquela cidade. Mas sua verdadeira intenção era ir para o Rio de Janeiro. Foi uma fuga bem planejada. Arranjou um burro e disse apenas ao irmão e confidente, José Pedro, que ia para Santos, onde embarcaria para o Rio de Janeiro. Pedro Riu e disse-lhe que não teria coragem de abandonar a terra natal e logo voltaria de Santos. - Qual! - respondeu-lhe o futuro maestro - "só voltarei coroado de glórias ou só voltarão meus ossos!"
                 E lá se foi Carlos Gomes, montado no burrinho, em sua penosa marcha pela serra até Santos, onde embarcou no navio "Piratininga". Rumo á Côrte, debaixo de fortes aclamações de estudantes e amigos, levando consigo uma carta de recomendação, que lhe facilitaria o acesso ao Paço de São Cristóvão e ao bondoso D.Pedro II. E lá se foi Nhô Tonho em busca do futuro. 
                 Os primeiros dias no Rio de janeiro foram de pura saudade e tristeza. Hospedou-se na casa do pai de um estudante de São Paulo; sentia remorso por haver abandonado o velho pai, que fora também seu grande mestre. Depois de algum tempo, porém, escreveu-lhe pedindo perdão e revelando-lhe seus planos. O velho "Maneco Músico", ante o tom sincero da carta, comoveu-se e não só perdoou o aventureiro, mas passou a lhe mandar uma modesta mesada mensal, dizendo-lhe "Que Deus te abençoe e te conduza, próspero, avante pelo caminho da glória. Trabalha e sê feliz! Teu Pai". Ao receber esta resposta tão incentivadora, sentiu-se disposto a enfrentar qualquer dificuldade que surgisse em seu caminho. 
                  Apresentado ao Imperador, por intermédio da Condessa Barral, o monarca, sempre amigo e protetor dos artistas, encaminhou-o a Francisco Manuel da Silva, diretor do Conservatório de Música e também incentivador dos jovens músicos.
                  A sorte estava lhe sorrindo. E Carlos Gomes teve como primeiro mestre, em contraponto, Joaquim Giannini, famoso musicista italiano, que viveu muito tempo no Brasil. Em 1860, ano seguinte, na festa de encerramento dos cursos, Carlos Gomes apresentou um composição sua. Mas, atacado de febre amarela, caiu doente e impossibilitado de comparecer. Sua ausência foi muito lamentada. Eis, porém, que surge o imprevisto: Quando o maestro ia dar início à "cantata", o jovem campineiro surge no estrado; com os olhos ainda brilhando de febre, pede a batuta para dirigir sua peça. Sua costumeira obstinação se manisfestou e nada poderia demovê-lo de dirigir. Aplausos e mais aplausos marcaram sua apresentação, mas Carlos Gomes, enfraquecido não pode resistir e desmaiou, sendo levado sem sentidos para casa.  Quando tudo isto chegou aos ouvidos do soberano, este mandou levar-lhe uma medalha de ouro, como recompensa a seu esforço e talento.  Começa então a marcha triunfal de Nhô Tonico rumo ao sucesso. 
                  Em 4 de setembro de 1861, foi cantada, no Teatro da Ópera Nacional, "Noite do Castelo", o primeiro trabalho de fôlego de Antônio Carlos Gomes, baseado na obra de Antônio Feliciano de Castilho. Constitui-se em grande revelação e exito sem precedentes nos meios musicais do país. Carlos Gomes foi levado para casa em triunfo por uma entusiástica multidão, que o aclamava sem cessar. O Imperador, também entusiasmado com o sucesso do jovem compositor, agraciou-o com a "Ordem das Rosas". A Côrte toda estava conquistada e Carlos Gomes se tornara figura querida e popular. 
                  Embora já fosse  muito popular, era também muito contestado por seus cabelos compridos. Faziam piadas que até ele mesmo ria. Certa ocasião viu um anúncio que fora emendado: onde dizia "Tônico para cabelos" mudaram para "Tonico APARA os cabelos". Virou-se para seu inseparável amigo Salvador de Mendonça, e disse sorrindo: - "Será comigo?" 
                 Francisco manuel, a respeito do jovem musicista, costumava dizer: "O que ele é, só Deus e a si o deve!"
                 A saudade do seu velho pai e de sua querida campinas atormentava-lhe o coração. Lá ficou também sua amada Ambrosina, moça da família Correa do Lago, com quem namorava. Pensando nela, Carlos Gomes escreveu essa joia que se Chama "Quem sabe?", de uma poesia  de Bitencourt Sampaio, cujos versos "Tão longe, de mim distante..." ainda hoje são cantados. 
                 Dois anos depois desse memorável triunfo, Carlos Gomes, apresenta sua segunda ópera "Joana de Flandres", com libreto de Salvador de Mendonça, levada à cena em 15 de setembro de 1863. 
                 Como corolário do êxito, na Congregação da Academia de Belas Artes, foi lido um ofício  do diretor do Conservatório de Música, comunicando ter sido escolhido o aluno Antônio Carlos Gomes para ir à Europa, às expensas da Empresa de Ópera Lírica Nacional, conforme contrato com o Governo Imperial. Estava assim concretizada uma velha aspiração do jovem campineiro que, mesmo comovido, ao ir agradecer ao Imperador, ainda se lembrou do seu velho pai e solicitou para este o lugar de mestre da Capela Imperial. Enternecido ante aquele gesto de amor filial, D.Pedro II acedeu. 
                 Era chegado o momento de ir para a Europa, onde se consagraria.  O Imperador  preferia que Carlos Gomes  fosse para a Alemanha, onde pontificava o grande Wagner, mas a Imperatriz, D. Teresa Cristina, italiana, sugeriu-lhe a Itália. 
                 Em 8 de novembro de 1863, o estudante partiu a bordo de um navio inglês, o "Paraná". Embarcou sob caloroso aplausos de amigos e admiradores, que se comprimiam no cais. Levava consigo recomendações de D. Pedro II para o rei Fernando, de Portugal, pedindo que apresentasse Carlos Gomes ao diretor do Conservatório de Milão, Lauro Rossi. O jovem compositor passou por Paris, onde assistiu a alguns espetáculos líricos, mas seguiu logo para Milão. Lauro Rossi, encantado com o talento do jovem brasileiro, passou a protegê-lo e a recomendá-lo aos amigos. 
                 Em 1866, Carlos Gomes recebia o diploma de mestre e compositor, e os melhores elogios de todos os críticos e professores. A partir de então, passou a compor. Sua primeira peça musicada foi "Se sa Minga", em dialeto milanês,  com libreto de Antônio Scalvini, estreada em 1 de janeiro de 1867, no Teatro Fosseti. Um ao depois, surgia "Nella Luna", com libreto do mesmo autor, levada  à cena no Teatro Carcano. 
                 Carlos Gomes já gozava de merecido renome na cidade de Milão, grande centro artístico, mas continuava saudoso da pátria e procurava um argumento que o projetasse definitivamente. Certa tarde, em 1867, quando passeava pela Praça del Duomo, ouviu um garoto apregoando: "Il Guarani!  Il Guarani! Storia interessante dei selvaggi del Brasile!"  Tratava-se de uma péssima tradução do romance de José de Alencar, mas aquilo lhe interessou imediatamente e comprou o folheto e em seguida procurou o amigo Salvani, que também se impressionou pela originalidade da história. E, assim surgiu "O Guarani", que, apesar de não ser a sua maior nem melhor obra, foi aquela que o imortalizou.  A noite de estreia da nova ópera foi em 19 de março de 1870. Os maravilhosos acordes de sua abertura é conhecido por praticamente todos os amantes de música clássica. A ópera, por ter musicalidade agradável, com sabor bem brasileiro, onde os índios tinham papel de primeira plana, logo ganhou enorme projeção. Foi representada em toda a Europa e na América do Norte. 
                 O grande Verdi, já glorioso e consagrado, disse: "Questo giovane comicia dove finisco oi!" 
                  Na noite de 2 de dezembro de 1870, data do aniversário do Imperador D. Pedro II, em grande gala, foi estrelada a ópera no Teatro Lírico Provisório, no Rio de Janeiro. Os principais trechos foram cantados por amadores da Sociedade Filarmônica. Uma noite memorável, em que o maestro viveu horas de intensa consagração e emoção. Depois, "O Guarani" foi levado à cena nos dias 3 e 7 de dezembro, sendo que nesta última noite, em benefício do autor. Nesta mesma data o maestro conheceu André Rebouças. Após o espetáculo, houve um alegre "marche de flambeaux", com música, até ao Largo da Carioca, onde estava hospedado Carlos Gomes, em casa de seu amigo Júlio de Freitas. Por intermédio de André Rebouças, o compositor foi apresentado ao ministro do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, em sua casa, nas Laranjeiras.  
                   Quando da estréia do "Guarani", em Milão, o famoso tenor italiano Villani, escolhido para o papel de Peri, criou um problema: ele usava barbas e se recusava a raspá-las. Carlos Gomes protestou: "Onde é que já se viu índio brasileiro barbado?" dizia ele.  O tenor era uma dos  grandes nomes da época e não poda ser simplesmente dispensado. Mas, afinal, tudo se ajeitou. O tenor apresentou-se disfarçando sua barba com pomadas e outros ingredientes.  Na mesma ocasião Carlos Gomes teve de enfrentar outra dificuldade; é que, em certos trechos de música bárbara e nativa, eram necessários borés, tembis, maracás ou inúbias e isto não havia na Itália. Incansável, Carlos Gomes antou por todos os lugares, mas não encontrou; a solução foi fabricar os instrumentos, sob sua direção, numa afamada fábrica de órgãos, em Bérgamo. Essa foi a decisiva prova de seu grande amor pela pátria e as coisas de sua terra. 
                   No dia 1 de janeiro de 1871, Carlos Gomes vai a Campinas visitar seu irmão José Pedro santana. Em 18 de fevereiro, com André Rebouças, despede-se do Imperador em São Cristóvão. E, no dia 23 segue para a Europa novamente. 
                  Na Itália, Carlos Gomes casou-se com Adelina Péri, que devotou toda sua vida ao maestro. Desse consórcio nasceram cinco filhos, todos muito amados pelo compositor. Todavia, um a um foram morrendo ainda criança, restando somente a filha Ítala Gomes Vaz de Carvalho, que escreveu um livro honrando a memória de seu glorioso pai. 
                  A seguir, Carlos Gomes escreveu "Fosca", considerada por ele como sua melhor obra, além de "Salvador Rosa" e "Maria Tudor". 
                  Em 1866, e novo no Brasil, Carlos Gomes recebeu uma justa consagração na Bahia, onde, a pedido de Artur Napoleão, grande pianista português, compôs "Hino a Camões", para o centenário camoniano, executado simultaneamente, ali e no Distrito Federal, com grande sucesso. 
                  Abalado por seguidos e profundos desgostos, doente, desiludido, Carlos Gomes não mais perseguia a glória como no passado; procurava uma forma que lhe permitisse viver em sua pátria e ser-lhe útil. Contudo, seu estado de saúde era mais grave do que supunha. 
                  De volta à Itália, compôs a grande ópera "O Escravo" que, entretanto, por vários motivos, não pode ser representada ali. Foi leva à cena pela primeira vez, no Rio de janeiro, em 27 de setembro de 1887, em homenagem á princesa Isabel, a Redentora, com esplêndido sucesso. 
                  Em 3 de fevereiro de 1888, outra vez na Itália, Carlos Gomes estréia, no "Scala de Milão", "Condor", com grande êxito; nessa peça apresentava uma nova forma, muito mais próxima do recitativo moderno. 
                  As desilusões, as decepções, a ingratidão de seus compatriotas, além de suas dores, causada pela doença que o levaria ao tumulo, ainda não lhe haviam quebrantado a resistência. Estava á espera de sua nomeação para diretor do Conservatório de Música, no Brasil. Nesse tempo foi proclamada a República e, infelizmente, seu grande amigo D. Pedro II é exilado, causando-lhe grande mágoa . Mesmo assim ainda compôs "Colombo", poema sinfônico, que, incompreendido pelo grande público, não obteve êxito. 
                  Apos tanto sofrimento, finalmente chegou um convite de Lauro Sodré, então governador do Paraná, pedindo-lhe para organizar e dirigir o Conservatório daquele estado. Carlos Gomes, a fim de por em ordem suas coisas pessoais e despedir-se dos filhos, volta à Itália.  Reúne elementos para uma obra grandiosa que, apesar de seu estado estar se agravando, ainda conseguiu realizar.  Ainda na Itália, os amigos preocupados com sua saúde, o aconselham a fazer uma estação em Salso Maggiore, mas ele desejava partir o quanto antes para sua pátria. Chegou, então, a Lisboa, por estrada de ferro, onde recebeu calorosa e comovedora homenagem.  A 8 de abril de 1895, nessa mesma cidade, sofre a primeira intervenção cirúrgica na língua, sem resultados animadores. Em seguida embarca no vapor "Óbidos" rumo ao Brasil. De passagem por Funchal, tem o prazer de reabraçar seu velho amigo Rebouças, ali exilado. Carlos Gomes nunca se conformou com o fato dos republicanos terem exilados seus amigos queridos que tanto o ajudaram. 
                   Finalmente, atendendo ao convite do governador Sodré, em 14 de maio, foi recebido pelo povo paranaense com comoventes aplausos e manifestações de boas vindas.  Sua vida, contudo, estava no fim.  Entrega-se de corpo e alma ao trabalho e tem sua saúde agravada justamente num momento de alegria, quando o povo de sua terra natal lhe retribuía, com gratidão, o amor e respeito pelo qual tanto lutou. 
                   Diante de seu estado, o governo de São Paulo autoriza uma pensão mensal de dois contos de réis, importância relativamente vultosa para a época, enquanto vivesse; pelo mesmo decreto, após sua morte, os filhos receberiam a importância de quinhentos mil reis, até completarem a idade de 25 anos.  Nessa ocasião, existiam somente dois filhos do maestro.
                   Alguns dias antes de morrer, Carlos Gomes dizia: "Qual, o mano Juca não chega... eu sou mesmo o mais caipora dos caipiras..."
                   Em 16 de setembro de 1896, o Brasil cobre-se de luto com a morte de seu filho, o grande maestro, que tanto horara o nome de sua pátria no exterior. O governo paulista solicitou ao do Paraná, o envio do corpo de Carlos Gomes que hoje se encontra no magnífico monumento-túmulo, em Campinas, sua terra natal, na Praça Antônio Pompeu. 
                   Em 1936, em todo o País, com grandes solenidades, foi comemorado o centenário de seu nascimento. 
                   Carlos Gomes faz jus também ao nosso reconhecimento pelo seu grande espírito de brasilidade, que sempre conservou, mesmo no estrangeiro e nas horas mais difíceis. A imortal música do Nhô Tonico de Campinas continua viva no coração de todos os brasileiros. 
Nicéas Romeo Zanchett 
http://artesplasticasliteraturaefilosofia.blogspot.com.br 
              
                

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